Quem nunca se impressionou, em qualquer ponto da vida, com a mudança de personalidade, de ideais e até de crenças, em relação a si mesmo mais novo? Não é preciso muito, em alguns casos bastam cinco anos para que uma pessoa seja completamente diferente. Muitas dessas diferenças são a base para essa melancólica ode francesa à vida na proximidade da morte.
Essa é a distância entre as mentalidades de Jacques (Pierre Deladonchamps) e de Arthur (Vincent Lacoste). O primeiro é um escritor parisiense de 34 anos com Aids, enquanto o segundo tem 22 no interior da França e está no início das escolhas de vida. Os dois se conhecem por acaso e se apaixonam intensamente, mesmo que nunca se vejam devido às inúmeras diferenças.
O diretor e roteirista Christophe Honoré quase não parece ter interesse em contar uma história. O que ele desenvolve são cenas descoladas entre si, mas que levam o espectador mais atento a perceber as pequenas referências entre elas. Depois de muito tempo de abordagem na rotina de Jacques e de uma cena rápida e quase vazia de Arthur, os dois se conhecem, para que fique clara a importância do momento anterior.
É assim, entre momentos rotineiros, que a trama se costura aos poucos. E os contrastes entre as perspectivas dos dois amantes se revelam. Jacques faz piadas constantes sobre a própria fatalidade e parece entediado com as coisas que animam Arthur. Este tenta ao máximo transar com o máximo possível de pessoas e curtir os prazeres da vida, mas não percebe a fugacidade de tudo.
O que, é claro, aumenta a melancolia do primeiro. Jacques vê os brilhos nos olhos e na juventude do amante com pesar pois sabe que ele ainda enfrentará todas as desilusões e tristezas que ele encarou. O que também leva o personagem a ser distante de todos com quem convive. Dos amantes ocasionais de quem sente ciúmes, mas por quem não consegue demonstrar carinho, até o próprio filho com que se preocupa sem dar atenção.
Para aumentar essa tristeza latente, Honoré e o diretor de fotografia Rémy Chevrin fazem com que todas as cenas tenham uma leve incidência de azul. Mesmo se a iluminação seja baixa, a tonalidade ainda se destaca com o trabalho de figurinos e de cenários.
É possível notar que Jacques sempre se movimenta para longe das cores mais quentes, como se estivesse desinteressado no que pode dar mais sabor à própria vida. Apenas quando aceita a presença e a companhia de Arthur que o azul constante começa a se misturar com o calor e vira rosa. Na primeira cena em que vai atrás do amante, aparece pela primeira vez com uma camisa da cor.
O personagem ganha muito com a singela interpretação de Deladonchamps, que parece olhar para tudo como se esperasse que as coisas fossem desaparecer na frente dele. Como se esperasse que tudo acabasse para algo mais interessante que nunca chega, e que sabe que não existe.
Não fossem as duas horas e doze minutos de duração, a produção de Honoré seria muito mais agradável. No entanto, é interessante como ele retrata características da vida de homossexuais franceses na década de 1990 com naturalidade. Em certo ponto, Arthur vê homens se encontrar escondidos em um canto escuro abaixo de uma ponte.
Nunca é comentado que eles precisam se esconder ou que estão lá por causa dos preconceitos. Da mesma forma que não se comenta sobre como a Aids teve incidência maior nos gays e nas lésbicas do país na época. Apenas é e ponto. Honoré tem interesse em demonstrar esse choque entre a tristeza e a efervescência da vida. Aquele é apenas o contexto, e não precisa de explicação. Justamente por isso, o drama dos dois é mais forte.