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Dois Eus (Encontros – 2019)

Há um belo conceito por trás de estratégias de desenvolvimento pessoal. É possível que duas pessoas fiquem bem juntas. No entanto, para que alguém seja capaz de amar outra pessoa, é preciso se amar antes. O sentido é simples, mas cheio de complicações. Talvez tão complicado quanto a natureza humana.

Seguindo este raciocínio, Encontros conta a história de Remy (François Civil), um morador de Paris que começa a ter crises de ansiedade e precisa começar um tratamento psicológico. A vizinha dele, Melánie (Ana Girardot), precisa lidar com um sono excessivo também por meio de terapia.

Os dois têm mais em comum do que aparenta. Pegam o mesmo trem para o trabalho, passam por crises nos empregos, têm relações mal resolvidas com os parentes, enfrentam dificuldades nas vidas amorosas e sentem-se solitários. Na verdade, é comum com praticamente todo mundo.

Remy na terapia. Espelho da vizinha desconhecida.

Eis a beleza do filme do diretor e corroteirista Cédric Klapisch, todo mundo tem problemas da mesma natureza, mas cada história é única. No caso de Remy e Melánie, é praticamente oposto. O problema no emprego foi ter sido o único do setor a não perder o emprego, enquanto o dela é correr o risco de perder investimento para uma pesquisa.

Ela não consegue ter relações íntimas além do sexo casual, enquanto ele não consegue ter contato além de respostas educadas. Os pais dela se afastaram, enquanto ele se afastou dos dele. Ela é de Paris, ele fugiu para lá. Ele não consegue dormir, ela dorme demais. Nesse contraste, os dois até podem dividir o mesmo espaço, mas não se conhecem.

Daí, Klapisch sabiamente constrói os reflexos deles nas imagens do filme. Ela tenta ficar acordada mais um pouco virada para a direita da tela. Ele tenta dormir virado para a esquerda. Ela observa o trem que leva a irmã para uma visita aos pais no interior. Mais tarde descobrimos que ele viajava de trem para visitar os dele.

Melánie na terapia. Até as cores são complementares nas duas narrativas.

O mesmo ocorre na montagem. Se Klapisch apresenta uma sequência de cenas com ele em uma primeira consulta, logo em seguida vê-se ela com outro terapeuta. Até nas cores dos cenários e das cores isso fica mais claro. Normalmente, Melánie está cercada de ambientes e símbolos florais azuis. Já Remy tem superfícies lisas verdes. O vermelho parece distante deles. Ironicamente, a vendinha onde ambos fazem e compras é repleta desses tons.

São vidas que correm em paralelos. Algumas vezes até se tocam. Em certo ponto ele curte a música que ela escuta durante o banho. Depois, os dois se emocionam com um mesmo incidente na rua. Até o mesmo gato aparece para ambos. Mas Klapisch acerta em cheio ao não construir um romance ocasional. Eles não serão capazes de resolver os problemas uns dos outros.

E fica aí um filme que acerta em cheio ao representar os complexos conflitos da natureza humana. Todos os personagens tem dúvidas, inseguranças e vulnerabilidades, porque todo mundo tem esses problemas. Faltou a Klapisch apenas mais expressividade em certas cenas de câmera estática. Como se não importasse o enquadramento, desde que todo o necessário aparecesse em tela.

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