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As Duas Faces de Janeiro

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O mês janeiro foi nomeado em homenagem ao deus romano Janus, que possuía dois rostos. Janus era o deus dos inícios e, portanto, era também adorado em rituais de passagem e em términos. Seus rostos encaram direções opostas, um para tempos passados e outro para tempos futuros. Todas essas analogias constituem o que talvez seja o título mais apropriado para este filme.

Chester MacFarland (Mortensen) viaja pela Grécia com a esposa Colette (Dunst). Os dois conhecem o guia turístico americano Rydal (Isaacs) e relações surgem entre os três. Chester mata acidentalmente um detetive particular que o seguia e precisa fugir de Atenas. Rydal encontra um falsificador de passaportes para que eles possam escapar do país, mas precisam esperar no interior pelos documentos por quatro dias.

Surge um suspense nessa interação. Chester tem certeza de que há um flerte entre a esposa e Rydal. Rydal tem algum interesse no casal que se mantém em segredo. Colette está assustada ao descobrir as coisas que o marido é capaz de fazer e não conhece Rydal o suficiente para se sentir segura apenas com a companhia dele. O roteiro do diretor Hossein Amini é sobre essas relações. A trama de crime é apenas a desculpa para que as interações entre os três aconteça. Não fosse o assassinato, Rydal teria apenas tido conversas divertidas com o casal e seguido adiante com a vida. O suspense não está diretamente relacionado com as condições criminais dos personagens, mas com as suspeitas que levantam entre si. Os diálogos são de pessoas que conversam naturalmente, mas cada frase possuí significado para os medos comuns. Com reviravoltas inteligentes, que deixariam Hitchcock orgulhoso.

two-faces-postColette com Chester. Face do futuro.

Na primeira noite no interior, Chester, Rydal e Colette jantam juntos e discutem os passados de cada um. O casal fala sobre como se conheceram e o jovem fala sobre como foi parar na Grécia. Muitas verdades são omitidas nessa conversa e justamente por isso, as suspeitas são fundamentadas. Por consequência, Chester e Rydal começam a espionar um ao outro e descobrem aos poucos como ambos são golpistas em menor e maior escala. A cada descoberta, aumenta o medo que sentem entre si, ao mesmo tempo em que aumenta uma espécie de respeito mútuo.

Depois de mais de vinte anos como roteirista, Amini estreia na direção e usa de todas as áreas técnicas para construir ambientação semelhante ao filme O Homem que Sabia Demais, de 1956. Casal viaja por país exótico, as roupas e maquiagem na Kirsten Dunst a faz parecer muito com a Doris Day. Os chapéus e vestimentas típicas da década de 1950 se assemelham com as roupas do James Stewart. Amini ainda acerta na hora de esconder as coisas da câmera e de revelá-las. Apesar de a história seguir um ponto de vista dos personagens, é justamente por isso que o espectador não sabe de nada. É difícil dizer quem é mais perigoso até o momento em que a ajuda entre eles vira um conflito.

Viggo Mortensen se revelou um ator muito superior àquele personagem que o alçou ao sucesso. Aqui ele entrega mais uma interpretação inspirada. Chester é transtornado pelo medo de Rydal, da perda da esposa e do terror do ato que cometeu. Ao mesmo tempo é inteligente e frio. Oscar Isaacs também brilha. Ele está constantemente obcecado com os MacFarland, mas nunca fica claro com qual dos dois. Kirsten Dunst é o elo fraco da corrente. Não necessariamente por ser má atriz, mas por conta da baixa expressividade de sua personagem. Colette é uma ferramenta narrativa para desenvolver o suspense entre os dois homens e Dunst apenas acompanha o valor dela. De resto, ninguém se destaca.

TTFOJ_1030_03098.DNGIsaacs como Rydal. Face do passado.

Após a sessão, eu e minha namorada tivemos uma longa discussão acerca dos valores do filme. Existe uma sugestão nunca respondida que remete muito ao debate proposto por obras como Dom Casmurro. Chester é mais velho que Colette e Rydal e com frequência é confundido com pai de um dos dois. Isso é importante porque eventualmente fica claro o motivo pelo qual os dois gostam um do outro. Existe uma relação paternal ali. Chester se vê mais jovem em Rydal e o mais novo vê em Chester semelhança com o próprio pai.

São dois enganadores no limite da legalidade. Um é o futuro do outro. Cada um é uma das faces de Janus. Um representa o passado e o outro o que está por vir. Um grande suspense criminal. Tomara que Hossein Amini continue dirigindo.

 

ALLONS-YYYYYYYYY…

2 comentários em “As Duas Faces de Janeiro

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