Depois da morte da esposa, Samantha, em um súbito e trágico acidente, Michael King, um homem que se auto afirma ateu, inicia uma jornada pelos diferentes submundos da magia negra e do espiritismo para provar para o mundo, via documentário, que o sobrenatural não existe. Como era de se esperar em histórias com o mesmo enredo, o sobrenatural resolve se manifestar.
A Possessão do Mal, título original The Possession of Michael King, trata-se do já clichê conto de um homem ateu que no fundo é um believer* revoltado. O que importa, contudo, é encontrar uma nova maneira de contar a mesma história e, pelo menos nesse aspecto, o diretor novato David Jung encontrou um método inovador.
A história se divide em três narrativas, cada uma contada por uma câmera: a primeira de quando Samantha ainda estava viva e que registra o passado. A segunda funciona como o diário do protagonista e registra os momentos em que Michael é ele mesmo, e uma terceira câmera que registra a possessão de Michael King, evento que dá nome ao filme.
“Esse cara não tá bem, não. Tem que dar água pra ele”.
A proposta inicial de usar o documentário do protagonista para investigar os diferentes cultos, entre eles o satanismo e a necromancia, igualmente dá ao filme um ar de novidade, e se revela uma excelente ideia quando as excêntricas personagens começam a se apresentar nas cenas de entrevista. Uma delas, um padre em estágio avançado de câncer que realizava exorcismos, deixa para o público um questionamento sem solução: teria sido o demônio a maneira que a personagem encontrou para lidar com um grande trauma ou ele teria de fato se manifestado, dúvida recorrente em histórias reais de manifestações sobrenaturais.
Logo no início de sua possessão, Michael King não possui lembranças do que fez enquanto outra entidade controlava seu corpo, e busca explicar os acontecimentos de maneira racional, em um já esperado estado inicial de negação. Conforme a possessão sai do plano mental e passa a atuar no plano físico, com modificações no corpo do protagonista, e se espalha pela casa, essa abordagem também é abandonada.
A atuação de Johnson como um arrogante ateu/believer rebelde e depois como receptáculo de forças do mal é bastante interessante de se acompanhar, não apenas porque é boa, mas porque escapa do padrão de séries de TV.
A criança alvo das forças do mal. Nada de clichês?
Grande parte do filme se desenrola dentro da casa do protagonista, que se transforma em palco da batalha entre ele e a entidade que se diverte em torturá-lo. O alvo dela é ninguém menos que a filha pequena de Michael. Mais uma vez, nada de chocante em tornar a criança, alvo da maior empatia do público, no objeto de desejo das forças do mal.
No fim, não resta nada de inovador em A Possessão. Mesmo o que deveria ser uma das cenas mais dramáticas do filme, uma batalha corpo a corpo entre Michael e seu maléfico hospedeiro do submundo lembra por demais cenas de Poltergeist para assustar. Todo o terror parece ficar por conta do ar levemente gore da degradação física de Michael King que possui óbvias influências do terror oriental.
O filme de David Jung possui seus momentos e seus detalhes, como a presença do inseto que rasteja incessantemente pelo corpo de Michael. Estes, porém, duram menos do que deveriam. A impressão que fica é de que David Jung se recusa a atravessar os limites, a ir mais longe do que o que já foi feito antes. Ele teme chocar o público ou provocar o que é socialmente aceitável e esse dificilmente é o tipo de abordagem que produzirá um clássico do gênero.
*crente