Humor e leveza são características comuns do cinema mais comercial vindo da Inglaterra. Mesmo para os temas mais pesados, os britânicos conseguem fazer rir. Em parte porque os costumes e regras de condutas locais parecem quase desdenhar de falta de pose. Mas, principalmente, porque ainda é um país com uma população humana, com idiossincrasias comuns a todos, mas realçadas com o jeito rígido. Quando resolvem fazer algo leve como este A Música da Minha Vida, a leveza é ainda mais fácil.
É assim que o filme revela a história de Javed Khan (Viveik Kalra), um adolescente cujos pais migraram para o país do Paquistão. Em 1987, ele sofre com a vontade de ser descoberto como escritor e com as injustiças sociais da Inglaterra que tem como primeira-ministra a conservadora Margaret Thatcher. Principalmente, com a mão de ferro com que o pai rege o ambiente familiar. Até descobrir as músicas de Bruce Springsteen, cujas letras tocam diretamente nas agruras dele.
Aqui, a diretora Gurinder Chadha repete estrutura narrativa e estilo do trabalho que a tornou famosa, Driblando o Destino. Filho de imigrantes sofre com o choque de culturas do lugar em que nasceu e cresceu, e a família com valores tradicionais de outro país. Ele descobre por meio de um elemento cultural uma forma de se empoderar, mas que vai colocá-lo em choque com a figura principal em casa. Mude apenas o futebol por literatura e o gênero do filho e do pai.
Repetição em si não é problemático. Wes Anderson repete estética e estilo em todos os filmes dele, assim como Scorsese busca sempre a mesma velocidade na montagem, ou o Quentin Tarantino constrói diálogos acelerados e verborrágicos. O que incomoda é a impressão de que Chadha não tem nada de novo para dizer. Não que os conflitos culturais de descendentes de imigrantes não seja interessante, mas podem ser contados de formas diferentes, como no excelente Doentes de Amor.
A diretora filma a realidade de Javed com crueza. A fotografia tem diminuição de tonalidades para imitar as imagens de película de 1987, e tem câmera tremida, o que dá um tom documental para a produção. Com isso, consegue dar um peso maior para os devaneios e para a liberdade experimentada pelo protagonista quando ele usa as músicas para criar coragem e enfrentar os desafios pessoais. A primeira vez em que ele escuta o músico e um projetor coloca as letras das canções ao redor dele é um momento lindo e vibrante.
Mas também há estranhamento quando os devaneios fogem da natureza pessoal de Javed e escapa para os personagens ao redor. Em duas cenas, o jovem começa a cantar Springsteen em ambientes públicos e empolga pessoas a acompanhá-lo. É constrangedor ver o ator em pé, com um fone de ouvido, cantando sozinho enquanto uma multidão o observa. E quando ela se junta a ele, é só difícil de acreditar. As cenas removem o espectador do filme.
E não ajuda que Chadha repete outros problemas comuns aos filmes dela. A montagem corta entre cenas nos momentos mais estranhos, quando alguém está no meio de uma reação. E o único momento dramático dado para o pai de Javed tem uma construção quebrada. Começa como uma piada até que o ator tenha a chance de chorar com as falas mal colocadas. Acontece em um momento íntimo entre ele e a esposa, que já sabe tudo o que ele fala. Parece fora de lugar. E a trilha que sobe lentamente no meio da cena faz lembrar da manipulação da diretora para tentar emocionar a plateia.
Essa falta de domínio técnico também se encontra no roteiro escrito pela diretora com mais dois colaboradores. Há cenas em que uma reviravolta triste ocorre no fundo de uma situação divertida. O peso dramático se perde. O mais memorável é a briga de Javed com o melhor amigo enquanto ele faz piadas para conquistar o interesse amoroso. No entanto, o básico utilizado para construção de cinco atos garante um final que deve emocionar o público.
Além disso, ouvir músicas boas do Bruce Springsteen é bom. Com a leveza típica britânica, fica ainda mais gostoso. Mas com um roteiro mal escrito e os vários problemas técnicos, A Música da Minha Vida é um filme com saldo negativo. Poderia ser mais curto e focar no ritmo para ser mais divertido. Com muita coisa desconexa para dizer, parece arrastado.