Um dos primeiros campeões na história do prêmio de melhor animação no Oscar, A Viagem de Chihiro é, facilmente, uma das melhores animações já feitas para o cinema. Foi um dos presentes que a mostra sobre os diretores japoneses apresentada na Caixa Cultural me deu. Depois do curso sobre a obra que eles apresentaram, assistir aos filmes de Hayao Miyazaki ganhou um novo gosto.
Chihiro é uma menina medrosa e reclamona que passa por uma mudança de cidade com os pais. Próximo à nova casa, os parentes param para observar um parque abandonado nas proximidades. Após serem transformados em porcos por roubar comida, os pais são levados e Chihiro descobre que o parque era para espíritos e divindades. Para conseguir sair de lá e salvar os pais, ela precisa trabalhar na hospedaria local para deuses. O filme é sobre amadurecimento. Chihiro terá que provar, para os outros e para si mesma, que é digna de retomar a vida de mimos que possuía. Tudo através de sutis representações dos valores que são caros para Miyazaki.
Chihiro no primeiro momento de transformação. Disciplina e esforço.
Inspirado em Alice no País das Maravilhas, o diretor acertou de início ao dar senso e lógica para aquele conto bizarro. Somem os delírios de Lewis Carroll e entram em cena seres, espíritos, divindades, ícones, símbolos e características culturais das religiões xintoísta e budista. Mais uma vez, o diretor criou a história à medida em que realizava o filme. O que gera o problema comum de ritmo na obra de Miyazaki. Porém, de todos o filmes dele, A Viagem de Chihiro é o que tem melhor estrutura narrativa e o que melhor fecha todos os ciclos dos personagens. Aqui, conceitos como o poder do amor, ou como a natureza precisa ser cuidada, ou como as tradições precisam ser mantidas e respeitadas aparecem pontualmente em cenas que são importantes para a história e para o desenvolvimento da protagonista. Um bom exemplo é a cena na qual Chihiro recebe a responsabilidade de receber e cuidar de um hóspede que é um espírito de mau cheiro. Graças à disciplina e ao esforço de Chihiro (ambos conceitos importantes para Miyazaki), descobre-se que o espírito na verdade era um deus de rios que ficou poluído. E, simples assim, Miyazaki demonstra sutilmente o mau por trás do desrespeito ao meio ambiente.
Lá pelas tantas, percebi que não conseguia parar de chorar com A Viagem de Chihiro. E o pior é que eu nem conseguia discernir porque estava tão emocionado. Não era especificamente porque o filme levava a cenas emotivas. Depois de muito tempo de reflexão, cheguei à conclusão de que foi uma combinação de três fatores. Primeiro, estava maravilhado com a conquista técnica do que se passava diante de mim. A Viagem de Chihiro é uma animação impecável. Se alguém algum dia falar mal de como ele, como desenho que se move, é mal feito, essa pessoa pode ser devidamente removida do convívio com os outros terráqueos. Segundo porque fiquei admirado com a capacidade de Chihiro (que aqui espelha os sentimentos do diretor) de simplesmente seguir adiante com o que acredita mesmo que o mundo ao redor esteja repleto de pessoas que dizem que ela está errada e tudo parece lutar contra. Pode ser bobo, mas é uma situação que sempre mexeu comigo. E terceiro porque percebi, no meio da sessão, que os filmes do Miyazaki são sobre sentir e experimentar intensamente tudo o que acontece. Sejam sentimentos ruins ou bons. E ver Chihiro viver tudo ao máximo é envolvente e tocante.
A estilização típica de Miyazaki dá vida para toda uma variedade de criaturas, espíritos e transformações impressionantes de se ver. Seja um pedaço minúsculo de papel que ganha vida, seja um menino que vira um dragão, seja uma mulher partida no meio, um espírito sem face que consegue apenas soltar um suspiro ou apenas uma menina correndo. É incrível sentir tanta vida de imagens geradas por linhas em papel. Não são apenas os personagens e seres, mas todo o universo parece vivo. O que gera um contraste com o mundo de Chihiro antes de entrar no parque. A terra dos vivos parece mais morta e sem vida que a colorida e movimentada pousada de divindades.
De toda a obra de Miyazaki, o único filme que compete em nível de qualidade com A Viagem de Chihiro é Princesa Mononoke, que também tem um roteiro mais fechado dentro da trama. De todos os filmes que assisti do mestre, não vi nenhum ruim até o momento, o que faz de Chihiro ainda mais digno de destaque.
ALLONS-YYYYYYYYY
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