Regras existem para serem quebradas. Há quem acredite que isso se aplica especialmente ao cinema, como conceitos de enquadramentos, movimentos de câmera, montagem ou de roteiro. Um dos mais embasados na produção mundial é o da estrutura de cinco atos, com prólogo, início, meio, fim e epílogo. Mas, quando serve à mensagem e à história, essa norma deve ser quebrada.
É o que o diretor e roteirista Dan Fogelman busca com este A Vida em Si. É difícil até tentar explicar o que é a sinopse do longa. Ele acompanha dois casais com problemas de relacionamento, os americanos Will (Oscar Isaac) e Abby (Olivia Wilde) e os espanhóis Javier (Sergio Peris-Mencheta) e Isabel (Laia Costa) e os dois momentos em que as histórias deles se cruzaram.
Dizer apenas isso talvez possa até ser falar demais. Porque Fogelman divide o filme em duas partes, cada uma com seu ciclo narrativo fechado, para que ambas contem uma história como um todo. Primeiro do casal em Nova Iorque, e depois do casal em outro continente. Mas isso é importante dentro das reflexões que o realizador quer levantar.
Com um histórico de filmes e séries melodramáticos e lineares, ele abre este A Vida em Si com um amontoado de surpreendentes experiências narrativas. Os primeiro cinco minutos são narrados pelo Samuel L. Jackson, que aparentemente apenas lê o roteiro, com direito a falas como “Fade-in para texto. Capítulo 1.”
O que parece uma loucura auto-consciente e referencial ao Quentin Tarantino logo se revela como uma tentativa de Will em escrever um roteiro de curta-metragem que resuma as angústias dele. Então diversos aspectos daquela cena inicial são reflexos de um passado traumatizante que o espectador, e o protagonista também, desconhecem.
O trauma o impede de lembrar da verdade e a história a revela à medida em que ele se lembra em uma consulta com a psicóloga doutora Cait Morris (Annette Benning). Cada flashback é descrito em voice-over pelo personagem, que observa a cena junto com a terapeuta em cena. Aos poucos, as reviravoltas explicam como Will se tornou tão depressivo e traumatizado.
Essa estrutura de direção e de narrativa é forte e conduz bem o filme, até que a verdade é revelada e a história muda para o casal espanhol. Mesmo pequenos problemas como o fato de que Will não tem personalidade além do amor por Abby não incomodam quando ele é interpretado por um ator tão carismático e honesto quanto Isaac.
Mas, na Espanha, os experimentos narrativos são jogados fora e Fogelman parece disposto a abraçar o melodrama abertamente. Isabel e Javier são importunados pela presença constante do chefe dele, Saccione (Antonio Banderas), que tem mais dinheiro e, aparentemente, menos escrúpulos. A relação vira um triângulo amoroso até interessante, mas que não dialoga com a primeira metade do filme.
No contraste, fica até chato. E a falta de profundidade dos personagens se mantém. Javier é só um cara focado na vontade de fazer o que é certo, a ponto de não perceber que pode fazer o mal ao impor isso sobre a esposa. Os dois têm interpretações belas, mas Banderas ofusca qualquer pessoa nessa parte do filme ao trabalhar com pequenos trejeitos do antagonista. Desde uma olhada de canto para analisar alguém, até as reviravoltas no caráter do papel que interpreta.
De uma primeira hora interessantíssima e rica, A Vida em Si desanda com uma segunda metade que até é boa, mas freia o ritmo e arranca o espectador do universo do filme. Pior ainda com a coincidência absurda da mensagem final, que parece um devaneio de criança, ao invés de um filme que quer falar sobre uma epifania de vida. Para os fãs de melodrama, no entanto, é um prato cheio com direito a muito choro. Se for o caso do leitor, leve um lenço.