“Apenas um recorte”. Se uma pequena frase tivesse que definir este filme, essa seria. Stevie (Sunny Suljic) é uma criança que mora com sua mãe (Katherine Waterson) e seu irmão, Ian (Lucas Hedges), com quem leva um relacionamento abusivo. Sua mãe tenta protegê-lo demais do mundo lá fora por ter falhado na infância de Ian, como é revelado num diálogo.
Já começa aí uma representação interessante, quando a família olha mais para os problemas externos do que internos. Sua mãe nem tem o nome revelado no longa, possivelmente para representar que ela é “só mais uma” parte familiar que tem esse tipo de atitude.
Tudo isso é um cenário perfeito para Stevie ir para as ruas e aprender a lidar com os problemas e a se rebelar do irmão. É um retrato da educação que as ruas de Los Angeles dos anos 90 podem oferecer. Mas é algo que se estende também aos bairros de qualquer outro lugar do mundo que passe por aquele recorte.
É a busca por identidade, a descoberta da sexualidade, a curiosidade de conhecer os próprios limites e aprender o que acontece se extrapolarmos eles, a necessidade da mentira para poder ser “cool”. Tudo isso faz ser constante a sensação de “eu conheço bem isso” que o filme gera no espectador.
Não existe neste enredo as definições de mais ou menos importantes. Stevie é o fio condutor, mas todos ali desempenham papéis fundamentais e qualificam perfis conhecidos ou não, mas que estão presentes no nosso dia a dia, principalmente na infância.
O curioso é que existem ali personagens que, em pouco tempo de tela, tiveram seu background construído de forma rápida, inteligente e instigante, mas sofreram uma perda de peso logo em seguida porque o filme perdeu o foco. Como o exemplo do personagem Ruben (Gio Galicia). Desta forma, fica a sensação de “gostaria de ver mais sobre esta pessoa”.
A imersão aqui é nota 10. O diretor Jonah Hill (ator de Superbad) exibe a película no formato de imagem 1×1:33 já para remeter a uma TV de tubo . A paleta de cores segue tons próximos ao sépia e dá a noção de um VHS com a gravação já desgastada, ou até mal gravada mesmo.
A questão em jogo é mostrar as experiências e suas consequências, totalmente sem compromisso de ensinar ou julgar. Conseguimos confirmar isso ao ficar amplamente notável a preocupação do diretor em expor os ganchos da vida que levaram os personagens a escolher as decisões.
Não é como num jornal. Onde vemos uma notícia de um acontecimento sobre o qual julgamos a moral reprovável, mas sem ver uma exposição total do que possa ter levado àquilo. E, tudo bem! Talvez, se num jornal, acompanhado da frase “adolescentes entram em briga e um deles sai gravemente ferido” vier “o jovem que está em melhor estado tenta fugir todos os dias de casa para não lidar com a zona pornográfica e violenta que é sua casa” fique parecendo uma tentativa de justificativa.
E não deve ser entendido assim. Um erro jamais pode justificar o outro, mas uma notícia não dá os caminhos para entender um fenômeno. Explicações como, por exemplo, violência gera violência. Quando o cânone (o que inicia, o que vem antes) é bem exibido, o julgamento começa a se afastar da análise.
Anos 90 talvez não tenha espaço nos cinemas mais comerciais do Brasil, ele tem seu público considerado mais cult. Mas, com toda certeza, vale as 1h24m que possui.