Falar de As Aventuras de Pi é difícil. Vendo o material de divulgação do filme, fiquei com espectativa de ver um filme denso sobre questões existenciais. E de fato o é, mas eu esperava algo mais vago e introspectivo como A Árvore da Vida. As Aventuras de Pi é um pouco mais focado em um questionamento sobre fé.
O filme começa com o personagem Pi adulto, vivido por um estupendo Irrfan Khan que pode ser visto no péssimo filme do Homem-Aranha que lançaram este ano. Pi conta para um escritor curioso uma história de sua juventude que promete ser capaz de fazer qualquer um acreditar em deus. Voltamos em flashback para acompanhar um Pi mais jovem sendo obrigado a mudar de seu país natal por motivos maiores. O navio cargueiro onde viaja com sua família carrega também os animais do zoológico de seu pai. Quando passam por uma tempestade, Pi se pega preso em um bote salva-vidas com um tigre de bengala. Começam então as supostas aventuras de Pi.
Como salientado antes, é um filme sobre questões existenciais. Mas Ang Lee, o diretor, faz algo muito inteligente. Ele se dá ao trabalho de explicar todos os contextos e detalhes da história com cuidado antes de começar os questionamentos em si. Quando Pi e o tigre começam as suas viagens de descobertas através um do outro, o filme já está perto de sua meia hora final. E deve-se levar em conta que é um filme de mais de duas horas de duração.
Como todo filme que acompanha um personagem solitário em um ambiente que nunca muda, tive medo de que este também fosse arrastado. Mas eis a boa surpresa, ao dar tempo para a ambientação do convívio entre o protagonista e seu alter-ego bestial, Lee nos leva por uma espécie de filme de terror por uma boa parte do filme. Cada momento preso junto ao animal é um possível risco de morte. E cada possibilidade de perigo do convívio com o tigre é explorada, até que se torna crível a união dos dois.
Lee é esperto, começa apresentando Pi sempre levando em conta o constante conflito dentro do personagem entre a fé e a razão e uma atmosfera de fantasia. Essa atmosfera de fantasia é importante porque mais a frente, Pi desperta com o mar completamente calmo refletindo o nascer do Sol. A impressão que passa é a de que Pi e o tigre estão em uma espécie de paraíso. O recurso é utilizado constantemente para criar visuais magníficos e metáforas que somam para o questionamento final do filme.
Para fazer esse tipo de visual, Lee usa o máximo de computação gráfica. As Aventuras de Pi é de longe um dos filmes mais bem feitos que já vi em minha vida. A fotografia é linda demais. Os animais feitos em computação são absurdos. É impossível dizer em qualquer momento que são falsos, principalmente o tigre, que é extremamente expressivo.
Quanto ao questionamento do filme. Essa é a parte curiosa. Em sua jornada com o felino, Pi vai pouco a pouco perdendo tudo. Sua vida, seus bens, sua segurança, seus amores, sua comida, sua água. Até que chegamos ao momento em que começa a perder a esperança. É então que ele e o tigre começam a lidar um com o outro sem hostilidade. E é então que o filme começa a fazer pequenas insinuações da natureza dos dois. Pi começa a se confundir com o animal.
Quando chegamos ao final do filme, essa “confusão” é importante para o questionamento que Ang Lee, através de Pi, faz. Somos apresentados a duas lógicas, uma segue a razão e a outra a fé. No começo do filme, Pi explica suas múltiplas crenças. É um hindu/cristão/mulçumano. Não quer seguir especificamente nenhuma das mitologias, mas encontrar a paz e a espiritualidade que pode-se atingir através de cada uma. Um proposta para raciocinar a fé. Não é seguir uma religião, mas sim acreditar em algo que parece impossível. Pi não quer deus, deuses, amor ou algo do tipo. Quer apenas acreditar.
Quando Lee nos pergunta como aceitar um fato inexplicável, nos propões duas formas distintas. Uma que segue o tom fantástico e é repleta de esperança e outra mais sombria e terrível, mas que nos levará ao mesmo lugar que a primeira. As duas levarão a mesma conclusão a que Pi chega no final, as duas partem do mesmo princípio e as duas resultam da perda de tudo o que Pi tem. Nenhuma é certa nem errada e nenhuma tem evidências.
Quando o filme acabou, meu lado racional, incrédulo e sem crença quis acreditar numa coisa, mas um outro lado quis acreditar em outra. Só o fato de ter me levado a esse raciocínio já faz com que As Aventuras de Pi seja um dos melhores filmes desse ano.
GERÔNIMOOOOO…