True Detective é uma série sobre investigação policial passada no sul ultraconservador dos Estados Unidos. Protagonizada por dois homens com imagens de truculentos. As mulheres na vida dos dois servem como ferramenta narrativa para desenvolvê-los, não para serem personagens autossuficientes. Chegou a levantar algum nível de polêmica, mas existe um ponto de vista que lê a série como feminista.
Na verdade, a ideia aqui é dar foco para duas dessas personagens, a esposa de Marty, Maggie, e a primeira amante dele, Lisa. Logo de cara já se nota que a parte das duas na história circula ao redor de um personagem masculino. Como se não fosse o bastante, é o personagem mais machista e tradicional. Ele crê na importância da união matrimonial e dos valores familiares de papai trabalhador, mamãe carinhosa e filhos obedientes.
Ele, inclusive, trata as duas como objetos. À princípio, Maggie é isso, uma esposa troféu. Assim como Lisa é uma forma de extravasar as tensões no final do dia. Até chegar ao limite de ameaçar fisicamente um namorado de Lisa por ciúmes. Como se ela, como amante dele, tivesse obrigação ou fosse, de alguma forma, propriedade dele. A reação das duas ao comportamento de Marty e as consequências disso demonstram um nível de poderio feminino dentro desse patriarcado do qual a série com frequência zomba.
Quando Lisa percebe que Marty dominou a situação com sua presença física e que ela não tem força contra a superioridade hierárquica dele na sociedade da Louisiania, ela remove parte do poder dele. Conta para Maggie sobre o caso e “arruína” a família dele (entre aspas porque foi ele quem causou o estrago com a traição). Ela, apenas por ser segura de si, se torna mais poderosa dentro de uma condição que dá vantagens para ele.
Lisa, vivida pela Alexandra Daddario.
Maggie, por sua vez, se mantém no status de esposa objeto por mais sete anos. Reduzida a essa pessoa que é obrigada a ouvir os impropérios do marido em casa, ela também revela um poder maior quando descobre a segunda traição. Como ela sabe que ele nunca vai parar e que vai continuar presa a ele, faz o que sabe que vai magoá-lo mais profundamente e garantirá distância e segurança.
Apenas trair não é suficiente. Ela o trai com o parceiro, Rust, que ele tanto odeia. A cena de sexo entre ela e Rust explicita ainda mais este poder dela. Ela entra na casa dele com um diálogo coloquial, se faz passar por sofredora e, ao perceber que o sensibilizou, inicia os contatos. Após o ato, ela se desculpa e diz que o fez porque sabia que era a forma de machucar Marty mais forte. Ela sabia que Rust sentia atração por ela e o manipulou para que ele transasse com ela. Desde o começo, ela tinha poder sobre os dois. Inclusive, no final, ela fica com a família tão valiosa de Marty e ele sem nada.
Maggie. Manipula os homens para ter liberdade.
Incomoda um pouco a ideia de que o poder da mulher vem do corpo e não de suas capacidades individuais, mas Nic Pizzolatto, o roteirista da série, quer, neste contexto, mostrar como o patriarcado é negativo para as mulheres e para o homens. Além de revelar como o poder que os homens conseguem nesta configuração é frágil e falso. Isso fica ainda mais óbvio na cena em que Rust e Marty questionam duas prostitutas na investigação do crime central da trama.
Indignado com a prostituição de uma menor, Marty tenta dar uma dura na líder local. A resposta da mulher é brilhante: “Você só não gosta que a gente cobre por algo que você pode conseguir de graça porque sabe que isso significa que nossos corpos são nossos, e não seu”. A trama da prostituta menor de idade, por sinal, leva a um final que apenas realça a hipocrisia do detetive quando ela, depois de atingir a maioridade, se torna a segunda amante dele.
ALLONS-YYYYYYYYYYY…