É muito interessante estudar a história das animações da Disney. Entre períodos de sucesso ligados por épocas de fracassos e filmes esquecidos, é possível encontrar todo tipo de desenhos animados que caem no esquecimento. Alguns com mais merecimento que outros.
No caso da aventura de um grupo de exploradores e cientistas que buscam pelo reino perdido de Atlântida em algum lugar dos mares próximos à Irlanda, a produção caiu no esquecimento por ter um foco mais voltado para as crianças mais novas, abaixo dos dez anos de idade.
É possível notar isso na construção de todos os personagens principais com base em estereótipos. Milo Tatch (Michael J. Fox), o protagonista, é um sonhador desajeitado que esconde um gênio sob as vulnerabilidades e oportunidades rejeitadas. Ele é acompanhado por um russo fascinado por bombas, um francês nojento com traços de rato e adoração por escavação, um médico que só pensa em medicina e uma mecânica, que talvez seja a mais elaborada de todos porque não teve escolhas de vida a não ser o trabalho braçal.
Essa simplificação serve à proposta do filme de ser divertido para os mais novos, com piadas visuais simples voltadas para as características de cada um. E eles nunca param de fazer humor. Em certo momento, quando a equipe tenta passar por um fenômeno geológico que explode diante deles, o russo jura, com uma dinamite acesa, que não foi ele. Logo em seguida ele a apaga. Ele a acendeu apenas para o efeito cômico.
O estilo não seria incômodo se o filme não tivesse uma trama com contextos tão adultos, mas a procura por Atlântida é recheada de violência, mortes terríveis, crueldades, traições complexas e outros detalhes que não condizem com um humor tão infantil.
A escolha também tem efeito na estrutura. Para que a ação e a aventura comecem mais rápido e prendam as crianças, o primeiro ato é extremamente acelerado. Chega a virar piada do próprio Milo em cena, quando descobre que embarcará para a busca do continente perdido no dia seguinte à aprovação da exploração.
O filme só vai diminuir o ritmo de verdade quando está quase com uma hora de duração e eles descobrem Atlântida. Em grande parte porque é onde o mistério da produção se encontra. Como os atlantes foram parar onde estão? Por que sumiram do mapa? Como sobreviveram por tanto tempo? O que aconteceu com a tecnologia tão avançada que possuíam?
Todas as perguntas prendem mais e dão um fôlego diferente para a trama, mas a verdadeira salvadora do filme é a atlante Kida (Natalie Strom). Ela é uma princesa guerreira preocupada com o povo, chave para a paz e a salvação de todos. Também dona de segredos, mas curiosa com o passado dos conterrâneos, ela rouba o filme de Milo e vai embora com ele.
A animação impressiona com a qualidade técnica, que mistura raros efeitos tridimensionais com os desenhos a mão de forma quase imperceptível. O traço dos personagens é estranho. Caricato com estilos da revolução industrial, é ofuscado pela exuberância dos cenários e dos aspectos mágicos da história. Os submarinos, o reino de Atlântida, as tecnologias, as pedras de poder. É tudo rico em detalhes.
O ápice é a cena em que Kida se torna portadora do poder que dá energia ao continente. O misticismo relacionado ao que se vê na tela com imagens belas, como a em que a personagem caminha sobre a água e uma força invisível a protege de detritos gigantes.
Atlantis não envelheceu mal. Ainda mantém a qualidade técnica pela qual o estúdio se tornou famoso, tem uma história intrigante que carrega até um clímax cheio de ação e misticismo que prendem. Só peca pelo grupo principal sem profundidade e por demorar a começar a parte de aventura que realmente prende. Para as crianças mais novas, porém, é um prato cheio.