O ano é 33 D.C. Os romanos ocupam a Judeia, o governador é Pôncio Pilatos, Judah é acusado injustamente de traição ao Império Romano e sobrevive a anos vivendo como escravo para se vingar de Messala. Com algumas adaptações ao original e tendo os detalhes do período bem demarcados, o diretor russo de origem cazaque Timur Bekmambetov usa os conflitos de espaço divididos forçosamente e atritos contíguos no Oriente Médio para embasar a releitura do épico bíblico.
Primeiramente, escrever sobre a produção do original de Ben-Hur (1959) é falar em ambição, pois tudo foi muito grandioso. Da duração do filme no alto de 212 minutos, aos cenários, atuações, montagem e figurinos. Tudo concatenado para abocanhar nada menos que 11 Oscars. O filme, dirigido por William Wyler foi a terceira adaptação cinematográfica do romance Ben-Hur: Um Conto do Cristo de 1880 de Lew Wallace. O livro conta a história de Judah Ben-Hur, rico judeu da Judeia que, depois de um acidente, é traído por seu amigo de infância, o romano Messala Severus, novo tribuno da região, e mandado para as galés por anos, até retornar e cumprir a promessa de vingança. A narrativa fictícia, corre em paralelo à vida de Jesus Cristo, sendo que por vezes, o caminho de Hur tangencia com a do Messias, mesmo que este não dialogue nem mostre a face ao longo de toda a trama. A história ganhou sua primeira adaptação cinematográfica na forma de um curta-metragem de 15 minutos em 1907. Em 1925 foi produzida pela MGM a versão autorizada, um filme mudo com direção do cineasta Fred Niblo. Mais tarde, a produtora voltou a apostar na história e a versão rendeu estrondoso sucesso de crítica, público e bilheteria. Foram necessárias várias décadas para que dois outros filmes igualassem o número de estatuetas – Titanic, em 1998 e o Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, em 2004.
Uma coisa é certa: não há como comparar o Ben-Hur de 1959 com este de 2016. O filme de outrora permanece épico em suas medidas. O novo Ben-Hur não é épico. É um filme de ação que desempenha satisfatoriamente o seu papel e transmite uma mensagem humanista de fé para um público contemporâneo.
Morgan Freeman e as tranças. Patrocínio para corrida mortal.
Não existe mais qualquer insinuação erótica que no filme anterior pairava no ar sobre Hur e Messala. Agora, o carismático britânico Toby Kebbell é um órfão romano criado como irmão de Judah. Interpretado aqui de maneira serena por Jack Huston. Existe afeto, mas de maneira fraterna e descontraída. Os atores, embora de boa atuação, deixam a desejar no filme. Ficou faltando aquela presença de peso. O único com currículo extenso é Morgan Freeman no papel do Sheik Ilderin, o homem que financia Ben-Hur na corrida de bigas.
Há de se destacar o papel de Jesus Cristo (Rodrigo Santoro) que nesta versão ganha falas e personificação ativa. Na época, o nome do ator Claude Heater sequer figurou nos créditos. Na trama atual depreende-se a ideia de aura mística e evidencia-se a humanização de Jesus propiciando afago aos fieis. Difícil missão de Santoro a de expressar toda a dor de Cristo crucificado, mas o brasileiro consegue se ambientar mesmo que com poucas mas, comparativamente, interessantes aparições.
As interpretações da mãe e irmã de Judah pouco exploradas e jogadas para escanteio na trama deixaram a desejar na atual versão, a carga dramática perdeu muito com isso. Assim como a bela atriz iraniana Nazanin Boniadi que interpreta Esther. O filme peca na resolução diminuta, o que já era um ponto previsível dado a duração menor se comparado ao seu antecessor – 123 minutos. Várias lacunas ficaram a ser preenchidas. Mas nada que atrapalhe demasiadamente o deslinde da narrativa como um todo.
Rodrigo Santoro como Jesus. Mais destaque e reflexão.
Em termos mais técnicos, duas sequências merecem destaque. Judah passa cinco anos remando em um porão fétido até se salvar de um naufrágio por conta da famosa batalha naval que, diga-se de passagem, foi muito bem filmada. O som grave do tambor e os enquadramentos corroboram com a intensidade da cena.
O outro momento tão aguardado, é claro, é a antológica corrida de quadrigas na arena. Aqui a rixa entre os personagens é desenfreada. O tom dos recursos gráficos foi usado corretamente e agora a corrida excitante pode ser vista em 3D. As quadrigas pulam obstáculos, capotam, os atores e cavalos são arremessados, voam para o alto e voltam para sua posição, tudo funciona de maneira harmônica, em mais um embasbacante clímax da Sétima Arte. (O que leva a pensar na produção e no mérito das gravações de 1959 quando não se lançava mão das facilidades hoje existentes…Realmente, que filmaço!)
A furiosa sequência vem acompanhada de uma calmaria e complacência na mensagem de desfecho. Judah cansado pela vingança acompanha a passagem de Cristo pelas ruas de Jerusalém e assiste à sua crucificação. Em 1959, o protagonista aprecia o sabor da vitória sobre Messala na arena. Em 2016, esse sofrimento palpável se reverte em redenção. Reflexão que vem a calhar no presente momento mundial.