Durante a década de 1980, uma divertida (e bizarra) figura tomou conta da televisão brasileira. Era o palhaço Bozo, que apresentava um programa de auditório na TVS (atual SBT), emissora de Silvio Santos. O personagem teve vários intérpretes, e a história de um deles, Arlindo Barreto, é retratada na nova produção nacional.
Bingo: O Rei das Manhãs é protagonizado por Vladimir Brichta (Tapas & Beijos), sob direção de Daniel Rezende (Fora de Controle) e roteiro de Luiz Bolognesi (Bicho de Sete Cabeças). Também fazem parte do elenco Leandra Leal (O Lobo Atrás da Porta), Augusto Madeira (Cilada.com), Tainá Müller (Em Família), Emanuelle Araújo (A Lei do Amor), Ana Lúcia Torre (Alma Gêmea), Cauã Martins, Pedro Bial (Big Brother Brasil), Domingos Montagner (Velho Chico), Soren Hellerup (Scrubs), entre outros.
“Tem gente que é formiga; tem gente que é cigarra; nós somos mariposas, precisamos de luz para sobreviver” (salvo engano), fala Marta Mendes (Torre) para o filho Augusto (Brichta). Essa citação define muito o personagem principal do longa, que, conforme ele mesmo explica, debaixo do holofote pode tudo. O público acompanha a história do ator que, de participações em filmes eróticos a pequenas pontas televisivas, acaba por conquistar o papel do palhaço Bingo, investimento da emissora TVB para ser o novo grande programa infantil das manhãs.
Ao invés de amenizar a história do intérprete do icônico palhaço, o estreante na direção cinematográfica Daniel Rezende opta por escancarar os absurdos da realidade do ator. E é justamente nessa escolha que ele faz um enorme acerto. Ao retratar os problemas com drogas – como cocaína – a luxúria e o descarrilamento da relação com o filho de Augusto, o diretor constrói uma trama pesada e marcante.
De início, o espectador vê um Augusto amoroso com o filho Gabriel, em um período que encena em filmes de pornochanchada. Filho de uma antiga diva, ele cresceu com a certeza de que pertence aos holofotes e não descansa até que consiga alcançar o sucesso que julga merecido. E é assim que ele conquista o papel de Bingo. No entanto, há uma cláusula frustrante no contrato: a identidade do ator por trás do palhaço não pode ser revelada a terceiros.
A partir da estreia do programa, ele não mede esforços para garantir o primeiro lugar na audiência, mesmo que isso envolva situações completamente inusitadas para um público que consiste em crianças, como se esfregar em Gretchen (Araújo) enquanto ela performa Conga, sob o efeito de drogas – uso que se tornou cada vez mais recorrente. É aí que a vida do ator começa a desandar, à medida que o aumento da fama torna-se uma grande obsessão e o transforma em uma pessoa completamente diferente da apresentada previamente.
As atuações, no geral, são muito boas. Vladimir Brichta foi uma escolha fantástica para protagonizar o novo filme. Leandra Leal, no papel da diretora do programa Lucia, um dos interesses amorosos de Augusto, consegue entregar uma adorável personagem, por trás de toda uma máscara de “certinha” e durona. O jovem iniciante Cauã Martins, que faz Gabriel, o filho do ator, também merece reconhecimento. Há uma participação de Domingos Montagner, que faleceu em setembro de 2016, que garante uma homenagem anterior aos créditos.
A cinebiografia Bingo: O Rei das Manhãs é um orgulho para o cinema brasileiro. Com uma sonoplastia angustiante; uma trilha sonora composta por músicas adequadamente selecionadas; uma ótima fotografia, composta por belos planos e um uso espetacular de cores e iluminação; e um bom figurino, o novo longa-metragem acerta, e muito, no ponto. Isso tudo mostrando o mundo à parte que foi a década de 1980 no Brasil. É um drama muito bem feito sobre a ascensão e a queda de uma das maiores personalidades do país.