Quem diria que o Michael Keaton ganharia um prêmio de melhor ator algum dia? Só num mundo em que existe uma obra tão única e excêntrica quanto este Birdman. É preciso dizer, porém, que excêntrico não quer dizer, de forma alguma, que falta qualidade. Principalmente quando o adjetivo é usado como uma analogia sarcástica para diversas questões complexas.
Riggan Thomsom (Keaton) é um ator famoso por ter protagonizado uma trilogia de super-herói na década de 1980 e depois desapareceu. Numa tentativa desesperada de recuperar a fama, ele adapta um conto curto para uma peça de teatro, que também protagoniza e dirige. No último momento precisa substituir um ator coadjuvante pelo astro da Broadway Mike Shiner (Norton), que está em um relacionamento com a atriz principal, Lesley (Watts), a namorada e colega de elenco de Thomsom, Laura (Riseborough), o avisa que está grávida, a filha viciada em drogas, Sam (Stone), o ajuda como assistente e o agente Jake (Galifianakis) auxilia a gerenciar todos esses problemas porque a peça está a apenas três dias de estrear.
O filme retrata através de todos estes diferentes tipos de personagens todos os estereótipos de atores e artistas que surgem no ramo de entretenimento. Eles são importantes e o que fazem é sério, mas acham que a arte em si é maior do que ela deveria ser considerada. Então tudo é tratado com uma ironia quase cruel com figuras fáceis de encontrar na área. Inclusive, é fácil criar uma conexão entre os atores em cena com a história de seus personagens, o que também é parte do sarcasmo da produção.
O ator que depende da arte. Comparação com vício de drogas.
O roteiro de Birdman, escrito pelo diretor Alejandro González Iñarritu junto com um grupo de parceiros, brinca constantemente com as expectativas em relação aos personagens. Shiner é um ator espetacular que trará audiência para o espetáculo. Ao mesmo tempo em que ele melhora as interpretações de todos, também é perdido dentro das interpretações. Não é a toa que somente a personagem que é viciada em drogas consegue compreendê-lo. Sam vê nele a mesma dependência que ela tem, mas com a arte no lugar dos químicos. Lesley quer impulsionar a carreira, mas é incompreendida pelos colegas. Laura é excêntrica, quer ter filhos e não quer. Namora o diretor mas não nega uma experiência homossexual quando o clima surge. O único que realmente não se importa com a arte como um todo é justamente Thomsom, que de tão perdido dentro da busca pelo status de celebridade, não percebe que está destroçando uma obra literária.
O roteiro é ótimo, mas a sacada se encontra na direção de Iñarritu. O filme inteiro simula um grande plano sequência, mas não o faz apenas por ser. A falsa falta de cortes simula uma continuidade de raciocínio. Os cenários são contínuos, mas mudam de um para o outro não apenas através da continuidade física. Muitas vezes alguém atravessa uma porta e se encontra em uma ilusão ou, talvez, na própria imaginação. Dias são passados em um movimento rápido de câmera que acompanha as preocupações dos personagens. Em um momento Thomsom termina um ensaio preocupado com a apresentação do dia seguinte. A câmera passeia pelos bastidores do teatro para reencontrá-lo durante a apresentação no palco. Parece confuso e é para ser. Se o plano contínuo simula o raciocínio de Thomsom, ele deve ser distorcido. Thomsom aparenta ter o poder de telecinese em diversas cenas e muitas vezes o filme flerta com a ideia de que ele está entrando em um estado de esquizofrenia. Porém, o final levanta um questionamento sobre a veracidade dos poderes.
Thomsom flutua. Alucinação ou realidade.
Michael Keaton nunca foi um ator ruim, mas sua carreira, assim como a do personagem é marcada pelo herói que interpretou décadas atrás. Pode acreditar, ele mereceu as indicações e o Globo de Ouro que recebeu. Edward Norton parece saber que Mike Shiner é uma brincadeira com o status alternativo que ele levou para a própria carreira e se diverte como o ator que não consegue sentir se não for através dos personagens que interpreta. Naomi Watts tem apenas uma cena para brilhar e o faz bem, mas em contraste com o resto do elenco não consegue se destacar. A Andrea Riseborough é linda e extraordinária. Ela usa sua vivacidade para criar as loucuras da mulher que expressa raiva e tristeza em uma única frase. A Emma Stone fez a participação nos intervalos das gravações de O Espetacular Homem-Aranha 2, o que parece ser proposital porque aumenta a ironia por trás da zombaria com super-heróis. Ela tem um monólogo fenomenal que deixa o espectador tão estarrecido quanto o pai da personagem. E Zach Galifianakis surpreende como o personagem que provavelmente é o mais sério. Mais uma ironia bem colocada em consideração a como ele se tornou famoso com comédias.
Birdman é hipnótico com o ritmo decorrente da escolha de montagem. Levanta discussões diversas com o final e as várias analogias de seu desenvolvimento. Também é um complemento interessante para outro grande filme de 2014 que chega por aqui neste ano. Whiplash é sobre o valor da arte e Birdman retrata a mesma questão sob outro ângulo. Ambos brincam com jazz e montagem. Merece ser assistido.
ALLONS-YYYYYYY…
3 comentários em “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”