Como em toda arte, o cinema também é complexo em sua construção. É muito fácil encontrar uma carreira estupenda de um diretor ou um roteirista com sérios problemas em um ou outro filme. Existem mais e mais motivos para isso. Mas continua sendo triste quando um fã de um artista encontra com essa falha na obra dele. Certamente, os fãs de Thomas Alfredson sairão decepcionados deste O Boneco de Neve.
A intenção inicial era fazer com que o filme fosse o primeiro de uma franquia sobre o detetive alcoólatra Harry Holes (Michael Fassbender), que só consegue se forçar a funcionar além da dependência quando está focado em um caso. É exatamente o que acontece quando a detetive Katrine Bratt (Rebecca Ferguson) sugere que o desaparecimento de uma mulher é uma ação de um assassino serial.
Não demora nem dez minutos para que o espectador perceba o que o filme realmente é: estranho. Em toda cena parece faltar alguma coisa. Já na abertura, um certo personagem chega em uma casa e os cortes o fazem saltar de posição no espaço.
Parece faltar material filmado. É como se a montagem tivesse resolvido abandonar trechos importantes. O que gera um incômodo constante. Em certas cenas a razão é óbvia, como em um diálogo em que os cortes variam entre duas câmeras no mesmo ângulo. Passa a impressão de que alguém esqueceu de filmar todos os enquadramentos planejados.
O que é especialmente triste quando a fotografia do veterano Dion Beebe é tão bela. Ele preenche a tela com imagens que mostram as casas e construções em formas geométricas, enquanto os cenários naturais parecem mais abertos e causam a sensação de respiro, apesar da neve que limita a movimentação.
Não tem explicação para isso. O roteiro tem as mãos do ótimo Peter Straughan, enquanto a montagem foi feita pelas experientes Thelma Schoonmaker e Claire Simpson. Mas essas partes técnicas, juntas com a direção, parecem faltar peças. Entre cenas, diversos personagens mudam de locais e tomam decisões sem que a história dê as razões para isso.
O que não incomodaria tanto se uma trama paralela do personagem Arve Stop (J. K. Simmons) com alguma relação à investigação não fosse abandonada no meio da narrativa sem ter fim. Ou se o trecho final depois da revelação do assassino não parecesse uma costura de cenas sem conexão entre si.
Porém, o mistério garante que a produção não caia no tédio. Especialmente na maior parte do filme em que as pistas ainda fazem algum sentido. Porém, não dá para criar empatia pelos personagens. Mesmo a sempre ótima Ferguson não sustenta uma personagem claramente motivada por emoções secretas a ponto de arriscar o caso mais de uma vez. Além dela, todo o resto do elenco parece estar no modo automático.
Mesmo após muita reflexão, o estranhamento continua. Boneco de Neve soa como um filme incompleto. Quase como um trailer da produção que ele deveria ser. Não resolve todas as pontas soltas, mas tem uma trama interessante o suficiente para prender a atenção. Pena que é tão mal contada. Deixa uma vontade de ler o livro original de Jo Nesbø para entender o que foi perdido no meio do caminho.