Quarta adaptação para os cinemas da peça homônima, esse Bonitinha, Mas Ordinária chega aos cinemas com muito atraso. O filme estreia amanhã, mas está finalizado desde o primeiro semestre de 2012. O texto clássico do Nelson Rodrigues recebe uma modernização esperta com direito a substituição do termo contínuo por office boy, favelas e vários contextos mais recentes no Rio de Janeiro.
Industrial resolve casar a filha de 17 anos para manter o status social da garota após um estupro. Escolhe um empregado para ser o marido. O empregado ganhará fortuna, conforto e segurança. A família conseguirá manter a imagem.
Nelson Rodrigues fazia críticas sociais de forma inteligente. Colocava exposição de camadas sociais e os vários valores morais sendo deturpados continuamente. Para isso, usa de termos chulos para criar expressões populares que representam muito bem essas deturpações.
Bonitinha, Mas Ordinária mostra o choque de um trabalhador pobre que acredita em moralidade e caráter ao ser forçado dentro do mundo de riqueza e poder social. Edgar tem um dilema representado por uma frase e um cheque. A frase é “Mineiro só é solidário no câncer” e o cheque contém 5 milhões de reais e a sua alma.
A frase é uma analogia à podridão humana. Todas as pessoas vivem pensando apenas nelas mesmas, então não há motivo para tentar ser hipócrita. Edgar parece acreditar nisso, portanto aceita a proposta de enriquecer casando com uma garota praticamente desconhecida.
Basta um contato com a terrível família da menina, Maria Cecília, para que Edgar perceba que a podridão é ainda pior do que imaginava. O pai o humilha dizendo que ele é inferior que a noiva. Edgar não pensa duas vezes em responder com a célebre frase, aqui adaptada para “Eu sou ex-office boy, mas você é um filho da puta!”
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Então Edgar joga seu lema fora e vai dizer ao futuro sogro que tem caráter. O homem resolve fazer um teste em resposta. Dá a Edgar um cheque de 5 milhões de reais. Se ele realmente tem caráter, vai rasgar o papel.
É o conflito pela moralidade de Edgar. Casar com Maria Cecília é vender a alma, não casar é manter-se pobre e miserável. Tudo passa a construir para momentos brilhantes de crítica social. Peixoto é o futuro de Edgar caso ele aceite o casamento. Rico, alcoólatra e derrubado pelo peso que carrega na consciência por ter aceitado uma proposta anterior do patrão.
Edgar começa cheio de falso moralismo, julgando a vizinha por ser prostituta e defendendo a noiva por ter sido estuprada e por ser rica e inocente. Aos poucos os panos caem e a verdade se revela.
A reviravolta final deixa um incômodo no estômago, tal qual uma história do Nelson Rodrigues deve fazer.
Os atores são espetaculares. O João Miguel está acima de qualquer julgamento, seu Edgar é só mais uma grande interpretação na sua carreira. A Leandra Leal está maravilhosa como a Ritinha, a vizinha que se prostitui. Uma tal de Letília Colin é uma revelação como Maria Cecília. O elenco de apoio está afiado e as encenações são ótimas.
O problema é a parte técnica. Moacyr Góes é um diretor tão ruim que quase estraga o incrível texto que tem em mãos. Os enquadramentos se resumem a close-ups dos atores e a planos médios sem nenhum senso de estética visual.
Para piorar, a direção de arte é feita de cores fortes e contrastantes, que não fazem sentido. E a fotografia de novela não ajuda.
Vale pelos atores com o texto de grande qualidade. Como filme de cinema é bobagem.
Esteja atento para o quanto o filme é pesado. As cenas de estupro, são três no total, possuem nudez explícita e são muito fortes.
ALLONS-YYYYYYYYY…