Woody Allen é um desses diretores curiosos que sempre acertam. Alguns filmes desses realizadores não são queridos pelo público ou pela crítica por não manterem o nível das melhores obras deles. Mas é sempre inquestionável: os piores filmes de Allen ainda são bons filmes.
Eis a grande surpresa. Café Society é um dos filmes mais bem dirigidos recentemente por Allen. Mais surpreendente porque ele usa isso em uma história que, em muitos aspectos, se assemelha a uma novela. Dessas que se vê na TV com frequência, em que todo mundo se conhece em algum nível e namora ou se apaixona por um parente ou namorada de amigo. É mais ou menos o que acontece com Bobby (Jesse Eisenberg), um jovem inteligente, ingênuo e neurótico que vive por acaso entre a alta sociedade de Los Angeles. Apaixonado pela colega Vonnie (Kristen Stewart), não percebe que o namorado casado dela é, na verdade, mais íntimo do que deveria imaginar.
Allen é um diretor cujo maior forte é o texto. O filme anterior, Magia ao Luar, tinha uma montagem pavorosa e enquadramentos pobres. A riqueza dele, porém, convinha do mesmo elemento de sempre na obra do diretor, o roteiro. Entre as tramas cotidianas, existe uma discussão sobre os valores da vida. Ele o faz de diversas formas, seja metafísica como no excelente Meia-Noite em Paris, seja metalinguística como em Tudo Pode Dar Certo, seja com diálogos em um relacionamento comum, como neste Café Society.
É fácil compreender a correlação entre os filmes de Allen. Os protagonistas são homens vulneráveis, inteligentes e neuróticos. Todos, obviamente, um reflexo do próprio autor. Todos, também, passam por situações que permitem encontrar um reflexo sobre fugacidades da vida. Sem final feliz obrigatório, sem casais bonitos, sem aventura. Muito pelo contrário, é comum ver um grande amor ser separado. A ideia de Allen não é criar um conto belo, mas passar uma mensagem. Normalmente relacionada com conceitos da psicologia. Não à toa, os personagens tendem a ser autodestrutivos, depressivos e paranoicos.
Café Society não se difere em nada disso. Bobby não vai, obrigatoriamente, ficar com o grande amor da vida dele. Mas, como no mundo real, isso não quer dizer muita coisa. E a reflexão sobre isso é a intenção real de Allen. Se o protagonista amou mais Vonnie ou outra mulher, o que importa é o fato de que pistas narrativas revelam que ele parece querer substitui-la, e não amar outro alguém. E nem mesmo isso significa que ele não pode ter paz.
Dito isso, deve-se falar do grande diferencial deste filme em relação aos anteriores do diretor: a direção. O mérito talvez não seja exclusividade de Allen, mas também de Vittorio Storaro, o diretor de fotografia. As cores douradas dos planos em que Bobby se encontra entre as classes mais altas revela uma beleza falsa, enquanto os tons naturais de ambientes externos denotam uma vida completa além do luxo.
Mas além das luzes e cores, o jogo do movimento das câmeras é extraordinário. Vale, em especial, destacar o da última cena (sem spoilers da história). A imagem mostra Bobby de costas, ele fica estático enquanto a câmera gira ao redor dele, até pegá-lo de perfil. Corta para Vonnie em outro ambiente, ela olha no sentido contrário dele na tela. Corta novamente para o homem. A linguagem cria uma noção de que, mesmo afastados, os dois ainda olham um para o outro.
Jesse Eisenberg faz um cópia maravilhosa de Allen. Em grande parte porque as paranoias de um combinam com o físico do outro. Os trejeitos de Eisenberg com os olhares confusos entre lidar com a sexualidade e a moralidade ancorada em uma religiosidade ambígua são quase incômodos, como se ele estivesse irritado o tempo inteiro com o jeito do mundo e dele mesmo. Kristen Stewart é ótima e parece que foi feita para interpretar uma das apaixonantes mulheres racionais que crescem devido às complicações dos parceiros românticos e sexuais.
Infelizmente, a reflexão e as analogias psicológicas não funcionam como em outros trabalhos de grande valor do diretor. No entanto, Café Society ainda é uma novidade para o padrão dele. E como sempre, um filme do Woody Allen é um bom filme. Neste caso, um ótimo. Infelizmente, ficará esquecido entre outros bons trabalhos que não são extraordinários.