Linha de raciocínio dos executivos da Disney: “Poxa, esses filmes que reinventam contos de fada rendem uma grana! Como podemos tirar o máximo de dinheiro disso? Tem aquela peça musical que mistura um monte deles. Mas quem poderia levar aquilo pro cinema? Qual o nome daquele cara que fez Chicago, mesmo? Coloca ele pra dirigir.”
Em um único reino encantado, cinco pessoas entram na floresta fronteiriça para realizar desejos. Chapeuzinho Vermelho (Crawford) quer encontrar a avó querida e se divertir com distrações, como o Lobo Mau (Depp). João (Huttlestone) precisa trocar a vaca da família para ter algum dinheiro e se sustentarem. Cinderela (Kendrick) quer estar arrumada para poder ir ao baile de três dias no palácio e dançar com o príncipe (Pine). O Padeiro (Corden) e sua esposa (Blunt) precisam encontrar um tecido vermelho como sangue, cabelos amarelos como milho, uma vaca branca como leite e um sapato puro como ouro para que a bruxa vizinha (Streep) os permita engravidar. Como em todas essas reinvenções de fábulas recentes, a proposta é discutir os valores levantados nessas histórias clássicas. Neste caso em especial, com algumas lições a mais que questionam todos os valores antigos.
O roteirista James Lapine, que também escreveu o musical, divide a trama em duas. A primeira com os protagonistas em busca dos “desejos especiais”. A segunda com as consequências das escolhas de cada. Na primeira, uma espécie de comédia de humor negro com direito a ironias relacionadas a como as vontades de cada personagem parecem mais importantes para eles que as dos outros. Na segunda é revelado que, para cada desejo realizado é preciso abrir mão de algo. Toda ironia e leveza com a qual os personagens lidavam com a falta de responsabilidade de seus atos se volta contra eles. É onde o valor do Padeiro inventado é colocado em cena. De todos os personagens principais, ele é quem tem os conflitos e desejos mais interessantes. A reflexão final se dá através dele, como um homem que descobre que consequências são, na verdade, responsabilidades. Como elas recaem sobre ele é corajoso e ousado. Principalmente para um musical da Disney sobre contos de fadas.
O padeiro e a esposa. Verdadeiro protagonista do filme.
Se a história é inteligente e se permite seguir caminhos complexos, a direção de Rob Marshall é terrível. Ele levou o Oscar de diretor por Chicago por conta do bom uso de estilos teatrais. Quem diria que é a única coisa que ele conhece? Com um cenário fantástico que poderia ser extremamente rico através de efeitos e estilos, ele não vai além de filmar os atores em cada cenário a cantar. Nada de inventividade visual, apenas mais um daqueles musicais em que as cenas se constroem na cantoria e nas coreografias.
O canto é outra parte incômoda. Com exceção de três ou quatro músicas, uma parcela pequena dentre os montes de cantos, nada se salva. Os atores cantam bem e a parte orquestrada é muito bem conduzida. O problema é que não acrescenta nada à produção. Os personagens apenas cantam para expor suas tramas e motivações. Menos na parte em que os dois príncipes cantam sobre seus súbitos amores. A música e a coreografia são piadas para explicitar o ego dos dois. Em outra cena, uma personagem canta sobre a culpa de ter cometido uma traição. A letra dúbia não dá respostas claras e segue padrões diferentes do que a Disney ensinou através da história do estúdio.
Lobo Depp uiva para a lua. Descontração em cena.
Do elenco estelar, se destacam o James Corden, a Emily Blunt e a Meryl Streep. Corden não é o melhor ator do mundo nem é capaz de dar grande profundidade para os personagens, mas é simpático e segura a produção quando a responsabilidade cai para ele. A Emily Blunt é uma potência. A princípio parece apenas coadjuvante cômica, mas a personagem é muito mais complexa. E Streep está apenas se divertindo com o maniqueísmo maluco da bruxa má. Os adolescentes Lila Crawford e Daniel Huttlestone são péssimos. Claramente pegaram os papéis de João e Chapeuzinho porque são bons cantores. A Anna Kendrick conquista mais pela beleza que pela interpretação. E ela está linda aqui. Chris Pine sabe que é uma zoeira, principalmente seu príncipe bonachão, e atua como tal. Já o Johnny Depp está solto como o Lobo Mau. O que normalmente parece uma péssima ideia é divertido. O ator mal aparece, mas canta com malícia uma música que serve de analogia para estupro e pedofilia em uma grande sacada.
Sarcástico, inteligente e dono de uma mensagem mais madura e complexa, Caminhos da Floresta é um destaque entre obras como Malévola e Jack, o Matador de Gigantes. Na realização, porém, não passa de um musical comum. É bom para quem gosta de ver pessoas cantando. Para quem não gosta, o roteiro salva.
FANTASTIC…
Li teu texto porque eu não entendi muito bem qual é o objetivo desse filme e devo admitir que concordo com todas as tuas opiniões.
As soluções de alguns conflitos são simplesmente inesperados e, para mim, sem sentido. Algumas vezes a pessoa está aqui, no auge do seu problema com todas as possibilidades na mão e daí… apenas cai num buraco e some o.O
Eu estava na dúvida se dava mais uma chance ou não. Teu texto me deixou com vontade de ver de novo e tirar a minha dúvida. ^^
Não sei se o filme merece uma revisita, mas que bom que ajudei a compreendê-lo.