Estamos naquela época próxima ao final do ano em que começam a surgir filmes ótimos. Todos sempre com algum tipo de aposta para vitórias de Oscar e recém saídos dos festivais de Veneza ou de Toronto. Neste momento temos Os Suspeitos, Gravidade e O Conselheiro do Crime em cartaz, Capitão Phillips entra semana que vem e com certeza teremos mais em breve.
O novo filme de Paul Greengrass conta a história real de um comandante de uma embarcação que transportava alimentos e auxílio para ações humanitárias. No ano de 2009 seu navio foi tomado por quatro piratas somalis que fizeram o capitão refém.
Fazer uma busca rápida na internet dará todos os detalhes da história. Principalmente porque existe um livro escrito pelo próprio Phillips sobre os eventos. Mas acredite, a melhor coisa a fazer é se deixar surpreender pela obra de Greengrass.
Quem não conhece o diretor, ele foi a pessoa por trás dos melhores filmes da trilogia Bourne, também fez uma porrada no estômago com seu United 93. Ninguém consegue fazer filmes com tons de documentário melhor que Greengrass.
O diretor coloca câmeras de mão, múltiplos enquadramentos, imagem granulada, perde o foco com frequência e muitas vezes não mostra pequenos detalhes de ação propositalmente.
A câmera é tremida, mas não incomoda nem causa desconforto. É feita para dar a impressão de que o cinegrafista está registrando eventos sem preparação. Por isso mesmo ele perde detalhes de ação. Em uma cena do filme, um personagem toma um tiro. Como a câmera se faz passar por alguém que não sabe o que vai acontecer em cena, ela não mostra a bala entrando, mas pela reação do ator sabemos o que se passa.
O mais interessante é colocar este estilo em comparação com o de Alfonso Cuarón. O mexicano coloca planos longuíssimos e elaborados para dar a ideia de realidade, mas nunca tem linguagem de documentário, com exceção da famosa cena da batalha no final de Filhos da Esperança.
Greengrass, pelo contrário, coloca cortes o tempo inteiro em suas cenas. O interessante é que os dois fazem coisas extremamente opostas para ter o mesmo efeitos. Verossimilhança, realismo e tensão. Comparar o estilo de ambos é um exercício curioso. Principalmente porque os dois são bem sucedidos.
O que faz com que a história de Capitão Phillips seja tão interessante são duas coisas. Primeiro, o fato de ser um dos poucos, senão o único caso de ação pirata no mar das últimas décadas. Segundo, o próprio personagem principal.
Phillips é um homem comum. Tem uma esposa comum, dois filhos que sentem sua ausência porque ele precisa passar longos períodos em alto mar. Conseguiu o cargo sendo disciplinado e sem muita ganância. Ele mesmo reflete sobre o fato quando admite que em seu tempo bastava baixar a cabeça e seguir ordens para ganhar promoções. É um homem de outra era, cansado e velho.
Mas é justamente por isso que seus atos são tão impressionantes. Quando a invasão ao navio acontece, sua disciplina e calma são as guias para toda a tripulação. Phillips não é burro e sempre tem consciência do escopo do que acontece ao seu redor e as consequências.
Seria um filme interessante se focasse apenas nisso. Mas Greengrass não é maniqueísta e dá foco também para os antagonistas. Os somalis são humanos, têm personalidades diferentes entre si e criam empatia. São de uma região onde a fonte principal de renda é a pesca e está entrando em miséria por conta dos grandes navios pesqueiros vindos de países ricos. Todos os homens daquela região são desinformados em relação a questões globais e acreditam que sequestrar um navio pode ser a chance de ganhar milhões de dólares.
Existe um motivo para a pirataria não ser mais tão grande quanto antigamente. O mundo evoluiu. Temos comunicação que permite a um navio entrar em contato com ajuda imediatamente. As forças marítimas ao redor do mundo possuem tecnologias de guerra que dariam conta de qualquer embarcação com facilidade. E, acima de tudo, questões políticas atuais transformam qualquer desses crimes em casos de complicações internacionais. Justamente o que acontece em Capitão Phillips.
Phillips entra em um jogo de tensão absurda. Ao mesmo tempo em que pretende salvar a própria vida, impedir os roubos e manter a tripulação em segurança, acaba se importando com os somalis que o sequestram. Eventualmente, salvar a vida deles também vira uma preocupação. Principalmente quando os Navy SEALS entram em cena.
A princípio Tom Hanks não parece demonstrar uma interpretação boa. Mas, a medida em que o filme avança, cada pequena escolha do ator vai fazendo sentido. Chegando à última cena com uma força impressionante. O impacto dos últimos momentos dele no filme são sentidos muito depois do término da sessão.
Honestamente, se Hanks viesse me pedir um Oscar naquele momento, eu teria entregue. Se ele me pedisse um calçado, eu teria tirado os que estava usando para lhe entregar. O que ele pedir e ganhar por sua atuação, será merecido. Não lembro de ter visto o ator tão bem quanto aqui. O que, considerando sua carreira, é algo impressionante.
Lá pelo meio da duração, o filme se foca no conflito de um personagem da marinha tentando salvar o capitão. Ele não faz muita diferença e sai sem deixar saudades. Essa parte inteira deixa uma pequena barriga no filme. A produção poderia ser um pouco mais curta sem sua presença. Certamente não causaria o pouco de tédio desse trecho.
Mas é o único defeito de uma produção maravilhosa, com uma história poderosa contada por um dos melhores diretores em ação atualmente. Assista sem medo.
FANTASTIC…
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