Logo no começo do documentário sobre a carreira e a cantora Cássia Eller, Oswaldo Montenegro faz uma análise interessantíssima sobre o processo criativo dela e, como o próprio explica, como ela se expressava através de sua arte. Esse é o foco acertado do filme: a mulher visível através da arte.
O diretor Paulo Henrique Fontenelle, documentarista veterano, coloca amigos, parentes, amantes e colegas em entrevistas para compartilhar histórias e versões do que acontecia com Cássia. A sacada é entrelaçar as partes das entrevistas de forma a criar uma linha de raciocínio que não apenas conta a história dela desde que começou a carreira, como também revela a influência dos eventos pessoais na música que produzia.
Cássia iniciou como uma jovem que queria seguir carreira artística e, numa peça dirigida por Oswaldo Montenegro em Brasília, resolveu revolucionar na maquiagem no dia da estreia. Montenegro diz em seu depoimento que essa era a Cássia. Ela percebia a pequenez da existência e zombava da mesma com rebeldia. Por trás de uma pessoa que se apresentava tímida para todos, estava alguém com coisas para dizer a procura de formas de se expressar. Na arte, essa expressão foi confundida com uma rebeldia gritante. Na verdade, era mais.
Quando passa para cantora, suas músicas eram rock com fortes tendências no punk. No dia a dia, muitas drogas e sexo. Conquistou Maria Eugênia, com quem viria a ser parceira pelo resto da vida, e as músicas ficaram com leves pegadas mais românticas e sensuais. Engravidou e as músicas ficaram lentas. Nos relatos das entrevistas, todo mundo fala sobre como ela sempre teve a vontade de ter um filho. Quando o menino criticou o estilo gritante dela e elogiou a Marisa Monte, Cassia procurou músicas mais lentas que lhe forçariam a usar a voz de maneira diferente. Em meio a tudo isso, depoimentos da própria Cássia pontuam a obra. Enquanto os pontos de vista de quem a conheceu dão uma noção do que ela pensava em diversos momentos, basta vê-la para compreender o que eles dizem.
Cássia revela mais um lado em capa de um dos discos.
Dentre as várias imagens de arquivo como fotos e vídeos, existe um trabalho elaborado e muito bem feito de motion design, que transforma fotos dela em movimentos belos que quase dão vida às imagens.
Depois de quase duas horas explorando a expressão artística dela, o filme derrapa em momentos focados em como ela foi representada pela mídia após a morte. É importantíssimo criticar certas revistas que se dizem jornalísticas, mas quebra o fluxo de pensamento da produção. O ritmo, porém, é retomado quando se revela pela primeira vez como o filho dela, Francisco, está hoje. Enquanto um depoimento em off diz “Ela ainda vive através do Chicão.” a imagem do garoto remete assustadoramente à própria Cássia. É impressionante como ele está semelhante a ela. É possível vê-la nele.
Ao final, fica uma certeza. Se você quer saber mais sobre quem foi Cássia Eller, é preciso ouvir toda a sua obra musical. Através dela ficará a noção de que ela era uma mulher rebelde, raivosa, forte, vulnerável, feminina, masculina, amável, calma, bagunceira e muito mais. Complexa e além de rótulos, como todo o mundo é. O que é ótimo.
FANTASTIC…