Quando a moda de animações em computação gráfica teve início com Toy Story e o reinado da Pixar, no fim do século passado e início do atual, muitos acreditavam que não haveria um filme ruim com a técnica. De fato, levou anos até que alguém realmente errasse. Hoje, infelizmente, a animação tradicional virou coisa de francês e japonês, e os cinemas são infestados com coisas como este Cegonhas.
Nele, os humanos coexistem com animais falantes e racionais. Entre eles, as cegonhas, que são uma das fontes possíveis de fazer bebês. A entrega, porém, era cheia de riscos, e as aves desistiram do serviço para fazer transporte de pacotes e encomendas. Nessas condições, uma menina chamada Tulip (Katie Crown), que nunca foi levada para os pais, e o ambicioso cegonha Junior (Andy Samberg) se veem com uma nenê que foi gerada acidentalmente na fábrica de humanos. Para garantir que o caso não criará problemas, eles partem para deixá-la na casa da família.
Começa, então, uma comédia de situações. Pode-se notar pela sinopse que lógica e coerência não fazem parte da história. O que não é, necessariamente, algo negativo. Se servir para a proposta principal, que no caso é fazer rir de pequena ironias com a vida real, o filme faz bem o que se propõe.
Felizmente, a presença do comediante Andy Samberg no elenco já indica um humor do estilo que funciona. Famoso como cantor principal da banda The Lonely Island e pela participação nos programas Saturday Night Live e Brooklyn 9-9, ele sabe zombar dos estereótipos mais estúpidos possíveis.
Infelizmente, Samberg só participa como ator de voz para um personagem que ganha muito com os improvisos dele. O roteiro e a direção ficaram nas mãos de Nicholas Stoller, que começou a carreira em projetos como Ressaca de Amor e Vizinhos. Nota-se um realizador que entende bastante de humor e pouco de narrativa, o que se reflete fortemente em Cegonhas.
Enquanto ideias geniais pontuam a produção, como brincadeiras com o fato de que pássaros não conseguem enxergar vidros, elas são costuradas por um roteiro sem liga. As protagonistas, tanto humana quanto ave, buscam objetivos pessoais de um egocentrismo assustador. Ao ponto de Tulip frequentemente causar alguma destruição no negócio das cegonhas e de Junior não se importar em ser grosseiro e até cruel com ela.
Os eventos do filme são quase aleatórios na condução. Em certo momento, Junior se machuca enquanto é jogado por paredes, sobrevive a acidentes de aviões e até é espancado por Tulip. Ele é praticamente uma caricatura de personagens das décadas de 1960, feitos para se machucarem enquanto os corpos são contorcidos de formas impossíveis. Convenientemente, porém, o pássaro quebra a asa no começo do filme, o que o impede de voar por conta própria para entregar o bebê. E é a única sequela que o filme mostra dos ferimentos dele.
Talvez funcione para uma criança que assista ao filme, mas retira o espectador adulto do mundo da animação. E como o humor é muito focado em piadas de duplo sentido, como o momento em que as cegonhas afirmam que existem outras formas de humanos gerarem crianças, não há uma comunicação adequada com parte do público-alvo: os pais que acompanham os filhos aos cinemas.
Da animação como técnica, é praticamente impossível falar mal. O mercado norte-americano é cheio de profissionais que sabem fazer esses conteúdos com maestria. As superfícies de metal parecem reais, assim como cabelos, tecidos e líquidos, os materiais mais difíceis de se animar.
Stoller não usa esse amontoado de perfeição a favor da história. Os cortes são rápidos, porque as falas são ditas pelos comediantes rapidamente. Sem interagirem pessoalmente, o tempo das piadas fica estranho e acelerado.
Lembra aquelas animações feitas diretamente para o mercado de vídeos cassetes, com nomes de grandes filmes da Disney para tentar ganhar lucro do pai que não sabe distinguir. Com pobreza visual e narrativa, a única coisa que sustenta Cegonhas é o humor pontual, que não é suficiente com uma trama tão mal escrita.