Uma das graças de jogar videogames é que eles permitem aos jogadores “viver” experiências impossíveis na vida real. É muito semelhante ao que outras artes buscam com a ficção científica, a fantasia e o horror quando criam contextos e situações extraordinárias que permitem refletir sobre algo comum.
Em especial, algo que foi conseguido com algum êxito é permitir a homens se colocarem em situações comumente relacionadas como “femininas”. É a razão para que este Cibele tenha levantado um murmurinho quando lançado. Dizer especificamente qual a experiência que a protagonista Nina vive é falar demais, mas a relação dela com o “amigo online”, Blake, é como muitas da adolescência e início da vida adulta. Recheada de singeleza, sinceridade e desilusão.
É ainda mais forte quando se revela que Nina é real, que a atriz que a interpreta é a pessoa de verdade, Nina Freeman, além de ser a criadora do jogo. Com uma média de uma hora para contar toda a trama, Cibele não simula uma jogabilidade comum de videogames, mas a interação de uma jovem no computador pessoal.
Literalmente, o vídeo inicial, que mostra Nina no quarto particular de roupas íntimas, dá espaço para que a tela do jogo seja tomada pela imagem de um sistema operacional fictício, com pastas que entram em arquivos tão privados quanto o vídeo que passou antes.
A sensação de que se está invadindo o espaço pessoal de Nina é proposital. Tanto na vida íntima e semi-nua em casa, quanto na virtual, onde esconde pistas que revelam as vontades e desejos secretos. O estranhamento, no entanto, dá lugar rapidamente a uma noção dos sentimentos que ela vivenciará durante o jogo.
Quando o jogador fuça os arquivos de fotos e poesias dela, descobre uma garota tímida que não sabe se merece receber carinho e companhia de outra pessoa. Quando, mais tarde, se percebe que ela está no caminho de iniciar uma relação, é possível sentir empatia pela busca dela. E como é o jogador quem usa o mouse e quem escolhe quais diálogos responder, é como se ele conversasse com Blake em busca dessas respostas.
Apesar de ser linear e com pouca interação para o usuário, a história de Cibele funciona especialmente por se tratar de um jogo de videogame. A narrativa permite ao jogador entender de forma íntima a experiência que Nina sentiu na pele real. Certamente não é exatamente a mesma, mas a interação faz com que seja mais profundo que qualquer outra mídia.
Cibele não é uma obra-prima. Muito pelo contrário, a história é tão simplória e tem repercussões tão pequenas e comuns que quase não parece digna de ser contada. É na experiência, porém, que se revela algo único e valioso. Não é apenas o “enredo” contado por Nina, mas como ele traduz um sentimento exclusivo de algumas pessoas para todas.