Morre o grande magnata das mídias, Charles Foster Kane. O próprio jornal que ele transformou em um dos grandes veículos de comunicação dos Estados Unidos, The Inquirer, tem dificuldades em determinar como retratá-lo. Surge então a ideia de revelar o significado da última e misteriosa palavra proferida por ele, Rosebud. O repórter entrevista algumas das pessoas mais próximas de Kane, e descobre, aos poucos, diversos detalhes da vida dele.
Cidadão Kane foi considerado o melhor filme de todos os tempos durante cinquenta anos pela pesquisa da Sight and Sound, até ser substituído por Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), de Alfred Hitchcock, em 2012. Ele foi o debute de Orson Welles em direção cinematográfica, aos 24 anos. O então jovem cineasta experimentou com a linguagem cinematográfica: narrativa, fotografia, enquadramento etc., e provocou ao contrariar várias regras da época. Ao mesmo tempo, levantou reflexões acerca de jornalismo em muitos níveis.
Dizia-se que não era aceitável mostrar tetos em enquadramentos –Welles filmou quase toda a produção de baixo para cima, e deixou os tetos constantemente à vista. Para a cena em que Kane tem uma desavença com o amigo de juventude, Jedediah Leland, o diretor mandou abrir um buraco no piso do cenário, a fim de que a câmera literalmente estivesse na altura do chão. É quando,os dois parecem estar mais altos na história: uma pista de que a queda de ambos será forte, comprovada nas cenas seguintes.
Câmera na altura do chão. Personagens ficam imensos.
A narrativa não é contada de maneira linear com a estrutura clássica de três atos, mas através do conhecimento acumulado por um repórter ao longo das entrevistas que realiza. Esse percurso funciona como a montagem de um quebra-cabeças, e representa bem a busca pela “objetividade” do jornalismo. A propósito, essa história fictícia faz uma alusão crítica à vida de William Randolph Hearst, um grande magnata da mídia norte-americana na época. O filme instiga o espectador curioso a tentar descobrir as semelhanças entre Kane e seu correspondente histórico.
O foco das imagens consegue abranger desde coisas muito próximas da câmera até pessoas distantes, engana a perspectiva e a noção de tamanho de objetos e cenários. Duas cenas demonstram isso bem. Quando os pais de Kane discutem a “venda” do menino para um banco, todos os personagens se encontram em diferentes distâncias da câmera, e ainda se mantêm dentro do foco (até mesmo o garoto fora da casa é visto nitidamente através da janela, no fundo do plano). Mais tarde, Kane discute uma compra perto de um homem, com uma janela ao fundo do cenário. Ela parece próxima, até que o personagem começa a caminhar em direção à parede; assim, a perspectiva deixa claro que se trata de uma estrutura imensa.
Tudo em foco. Enquadramento famoso.
Para que tudo isso funcionasse, foi preciso o máximo de perícia de todos os departamentos técnicos. A equipe de direção de arte construiu um mundo de esbanjamentos e grandiosidades vazias. O responsável pela fotografia, Gregg Toland, diminuiu ou aumentou imagens com relação à proporção original, de acordo com a proposta simbólica; em alguns momentos, para criar ironia. O montador Robert Wise sobrepôs planos em transições inéditas para a época. A maquiagem fez com que o passar dos anos parecesse real, e impressiona até hoje..
Cidadão Kane é um filme influente, e um dos mais importantes na história da arte cinematográfica. Infelizmente ofusca o resto da ótima carreira de Welles, que conta com mais de 40 trabalhos como diretor entre curtas, documentários, filmes para TV e longas de ficção.