O primeiro trailer deste filme fez parecer uma produção sobre adolescentes bacana. Mas em algum canto ali vinha escrito: direção de Daniel Filho. O negócio ainda conta com uma penca de atores da Globo e a logo da Globo Filmes. Por algum motivo, eu fui ao cinema esperando ver algo semelhante ao ótimo As Melhores Coisas do Mundo. Mas a bola já havia sido cantada quando o nome do diretor foi anunciado.
Quatro irmãs filhas de um pai solteiro precisam ajudar com as economias da casa para que não tenham que se mudar da área em que vivem. As quatro são adolescentes em fases diferentes de descobertas e vão precisar conciliar esse processo com seus problemas pessoais.
O roteiro é do Matheus Souza. Um carinha que estreou nos cinemas dirigindo o interessantíssimo Apenas o Fim. Souza tem feito muita coisa para a internet junto com o pessoal do canal Porta dos Fundos.
Eis então parte da surpresa. É praticamente uma produção da Globo com envolvimento do Porta dos Fundos. O que não é uma coisa boa. Temos aqui uma equipe técnica acostumada com outras mídias que não o cinema.
Por mais que as produções do Porta dos Fundos sejam bem feitas, nunca me fizeram rir. É preciso admitir o fato de que sabem fazer vídeos para a internet melhor que ninguém. Porém o youtube requer um tipo de produção muito diferente do cinema.
O resultado é um filme em que praticamente nada funciona. É muito ruim quando você está no cinema e com menos de cinco minutos você percebe que tem duas péssimas horas à sua frente.
O roteiro supostamente acompanha as quatro tentando conseguir diminuir as despesas em casa. Mas esse conflito é resolvido por apenas uma delas em uma cena. Literalmente, ela ganha um sequência em que sozinha resolve o problema. Mais para o final, ela explica para o pai o quanto conseguiu sozinha juntar de dinheiro. O grande problema, o espectador sabe que não serviu pra nada, uma das irmãs engravidou e agora tem o custo adicional dos cuidados de um bebê.
E simples assim, acaba. A trama principal não teve importância alguma. Então o foco de verdade é o outro lado. O lado que conta as histórias pessoais das quatro como adolescentes. A caçula não tem conflito. A história dela é, na verdade, do garoto que está a fim dela. A segunda mais nova quer perder a virgindade com o namorado. A terceira mais nova tem um namorado secreto que esconde das amigas. A primogênita já mora fora de casa e precisa pagar o aluguel ao mesmo tempo em que descobre que o namoro de cinco anos está perdendo o ritmo.
A parte interessante é basicamente essa, a da primogênita. Se o filme fosse só dela, provavelmente seria muito superior. É onde os diretores parecem estar mais inspirados, onde o roteiro tem a melhor estrutura e as melhores reflexões e onde a história é mais interessante.
A irmã do namorado misterioso também é interessante, mas sofre com o problema de servir mais como uma coadjuvante. Ela não aprende nada nem passa por nenhum conflito. Os conflitos de suas amigas, por outro lado, são excelentes.
As outras duas são qualquer coisa. A mais nova envolve uma enganação sem sentido relacionada a Crepúsculo e as tentativas de perder a virgindade da outra soam tão fúteis que a menina se torna um porre.
Daí o roteiro se perde em cenas que não fazem sentido dentro do que foi construído antes, como a vergonhosa cena em que o pai leva as quatro para passear em Copacabana. Do nada, o personagem ganha um monólogo explicando sua adolescência. Sem importância alguma para nenhuma das tramas. Piora quando o ator é um veterano da TV e o discurso fica parecendo texto de auto-ajuda lido pelo Pedro Bial.
Daniel Filho e sua colega, Cris D’Amato seguem as regras de direção Globo. Câmera parada, sem exploração de linguagem cinematográfica e inexpressividade narrativa. A direção de fotografia consiste em um monte de luzes espalhadas pelo cenário, gerando um momento constrangedor em que o Cássio Gabus Mendes fica com os olhos perdidos nas sombras sem significância. O fotógrafo simplesmente não iluminou o ambiente direito.
Não tem construção de cena. Corta para uma situação, a câmera praticamente não mexe e a cena corta para outra semelhante logo em seguida.
Os atores se esforçam, mas a mania de tentar soltar as falas com eloquência ao invés de usar a naturalidade estraga cada uma das boas interpretações. Ninguém se salva.
A trilha usa músicas dos arquivos da Globo para diminuir gastos. Literalmente, é assim que eles fazem, pegam músicas que já foram licenciadas para outros produtos e socam no filme para fechar a trilha sonora.
A montagem é uma bagunça. Em uma das poucas cenas em que os diretores se deram ao trabalho de filmar uma ambientação, o take é colocado depois dos personagens nas situações, ambientando quando a cena já começou.
Para fechar com chave de ouro. Por algum motivo, alguém resolveu fazer metade do filme com chroma key. Provavelmente o chroma key mais mal feito do mundo. Digno de comparação com certas produções mexicanas de várias décadas atrás. É normal ver contornos verdes e azuis nos atores e em certa cena uma atriz fica levemente transparente, sendo possível ver uma montanha através de sua cabeça.
Mas o filme não é um desastre total. A mixagem de som é excelente. Principalmente em uma cena na qual a filha mais velha, vivida pela cantora Sophia Abrahão, canta uma espécie de despedida do namorado.
Também se salva a direção de arte. O mundo mostrado ali parece real e jovem. As paredes tem posters de bandas e outros símbolos típicos da adolescência. Cada personagem tem seus gostos muito bem representados pelas opções da arte, seja nas roupas, na maquiagem ou em cadernos e materiais.
Um último incômodo ficou por conta do fato de que a irmã que tem um relacionamento homossexual praticamente não aparece. Sua namorada mesmo nem dá as caras. Enquanto isso, a irmã com relacionamento hetero ganha até cena de sexo. Terrivelmente mal feita, diga-se de passagem, com aqueles fundos verdes bizarros e um clímax digno de youtube.
Felizmente, nada é para sempre e eventualmente o castigo termina. E termina com uma lição: Nunca mais assistir nada do Daniel Filho. Se quer ver um bom filme brasileiro que representa o universo adolescente, procure As Melhores Coisas do Mundo, da Laíz Bodanzky e esqueça que isso alguma vez existiu.
ALLONS-YYYYYYYYYYY…
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