Realizado em 2014, It Follows (nome original e superior da obra) foi exibido nos festivais de Cannes, Sundance e venceu prêmio de melhor roteiro e direção em Austin. Lançado comercialmente apenas em 2015 na França e nos Estados Unidos, ele é celebrado pela crítica especializada como um dos melhores filmes do ano.
Jay (Maika Monroe) é uma estudante universitária de uma cidade pequena dos Estados Unidos. Ela começou a sair com Hugh recentemente e decide que está na hora de fazer sexo com ele pela primeira vez. Após o ato, ele explica que ela passará a ser perseguida por alguma coisa que pretende matá-la. A única forma de se livrar da criatura é fazer sexo com outra pessoa para passar a maldição adiante.
A sinopse é relativamente fraca. Lembra demais os filmes slashers oitentistas nos quais os adolescentes eram punidos por fazer sexo. Mas It Follows tem uma reviravolta nesse conservadorismo. As soluções para escapar da punição é fazer mais sexo. Desta vez sem sentimentos ou mesmo se interessar pela segurança ou saúde da outra pessoa. Toda o romantismo é perdido.
A história, à princípio, se foca no horror dessa coisa que simplesmente aparece, vez atrás de outra, na escola, casa, carro, estrada, onde Jay estiver. Ela e um grupo de amigos investigam Hugh e as origens da situação até certo ponto do filme. Então a trama se foca no que realmente quer discutir: passar o troço adiante e a responsabilidade envolvida. De certa forma, serve como analogia à AIDS. Jay foi vítima de um ato maldoso. É quase uma agressão sexual. O filme até explora uma cena na qual ela aparenta estar com medo do que houve na genitália. Essa analogia se torna ainda mais forte com o final ambíguo que abre espaço para diversas leituras.
Jay teme pelo próprio corpo após “contrair” a maldição.
Depois ela mesma precisa considerar se tornar “culpada” por espalhar o mal. Para que este drama ganhe mais força, o roteiro do próprio diretor, David Robert Mitchell, se apropria de personagens que soam reais. Quando o grupinho de amigos se encontra pela primeira vez, eles assistem um filme na TV. Em silêncio, eles fazem pequenas interações que revelam como eles são. Há a irmã de Jay, o amigo bobinho e apaixonado e a descarada e viciada em literatura. Dura menos de um minuto, quase não tem falas, mas todos ficam explicados.
Este texto unido ao domínio técnico de Robert Mitchell gera cenas que parecem naturais. A fotografia não ilumina todos os detalhes do ambiente, a direção de arte não deixa os bens dos personagens suntuosos demais. Jay e os amigos todos parecem pessoas comuns da classe média. Esta mesma ambientação serve ao horror constante. Os enquadramentos centralizam os personagens em planos que revelam muito do cenário ao redor, mas apenas para um lado. Logo surge um corte que pega a mesma ação do lado oposto. Aquele espaço que foi apresentado antespassa a ser escondido. Com os espaços escuros, é comum o espectador se pegar surpreso ao perceber algo que se move numa sombra que parecia vazia antes. Então corta e fica a expectativa agoniante de que algo vai acontecer.
A tensão é constante. Numa das melhores cenas, os personagens estão sentados em círculo. A câmera sempre os coloca em primeiro plano e centralizados. A cada um que toma a tela, toda uma parte do espaço fica desconhecida. A criatura aparece atrás de Jay na distância. Corta para os amigos. Um por vez. Até que volta para ela e o bicho sumiu. O suspense está posto. O espectador sabe que o monstro vai agir, mesmo que os personagens não saibam e, por isso, sente medo por eles.
A trilha sonora de Rich Vreeland (o mesmo de Fez, o videogame) se resume a tons de sintetizadores. Eles guincham na tela nos momentos de horror e ganham toques quase caseiros quando os personagens estão em momentos de paz. O contraste aumenta a agonia das cenas de tensão.
O elenco de desconhecidos está todo afinado com o estilo e a linguagem. Mesmo quando precisam berrar de terror não parecem exagerados ou absurdos. Ao final, fica a impressão de ter visto um dos grandes clássicos do gênero. Com um história perturbadora, analogias ao mundo real, uma direção espetacular e momentos memoráveis. Está no nível de qualidade de coisas como O Iluminado e O Exorcista. Para quem gosta de filmes bobos de susto, não assista. Tem dois sustos e eles são colocados de forma a não estragar a tensão que constrói o horror verdadeiro.
GERÔNIMOOOOOOOOOO…
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