Rocky: Um Lutador era o filme certo na hora certa. O desabafo sobre a vida de misérias na Filadélfia era também uma voz para a população americana em meio a uma crise econômica. Era a jornada de comprovação pessoal de um homem que concordava quando todo o mundo dizia que ele era apenas um vagabundo. Todas as continuações repetiam a fórmula, mas o desabafo era diferente para cada uma. Chegou a hora de passar o bastão adiante. A fórmula está velha demais para isso ou ainda há o que dizer?
Adonis, apelidado Donnie, Johnson (Michael B. Jordan) é o filho de um dos maiores lutadores de boxe de antigamente, Apollo Creed, com uma amante. Apesar do acesso aos bens que a fortuna do pai provém, ele gosta do esporte e se muda para a Filadélfia para treinar com um dos amigos do pai, Rocky Balboa (Sylvester Stallone). A fama do progenitor, morto antes de ele nascer, vai se tornar um obstáculo.
De forma bem simples, Creed é sobre legado. Tanto na jornada pessoal de Donnie quanto em termos de metalinguagem. Porque o filme também é sobre a transição de história. O Sylvester Stallone infelizmente é humano e envelhece como todo o mundo. E o Rocky é o ator. Não há como desvincular um do outro. O personagem envelheceu junto com ele e os temas sobre os quais ele poderia tratar estavam limitados. Passar este papel para outro personagem que tem um passado tão relacionado com o dele é, talvez, abrir espaço para novos filmes, novas discussões, além de, é claro, fazer uma homenagem que o personagem sempre mereceu.
A dupla de roteiristas Aaron Covington e Ryan Coogler, que também dirige o filme, não pensa duas vezes em relação à estrutura. Creed é um filme, em termos de momentos e soluções narrativas, igual aos seis Rocky. Personagem se encontra com um dilema de vida profundo que o faz questionar as próprias capacidades. O esforço para superar as dúvidas é espelhado pelas lutas de boxe até surgir uma oportunidade de uma disputa grandiosa com um grande campeão. O que muda aqui é o dilema. Como o sétimo em uma franquia, muito já foi dito, mas a dupla encontrou uma dúvida interessante e capaz de despertar simpatia. Qual a verdadeira identidade de Donnie? Apenas o filho de um dos maiores lutadores de todos os tempos? Se ele for bom o é apenas por conta do pai ou não possui nome próprio?
O legado. Rocky ensina quem é o maior inimigo de um boxeador.
Uma coisa que demonstra um bom roteiro é como as características específicas de cada personagem são refletidas pelas falas e reações. Covington e Coogler compreendem não apenas os que criaram exclusivamente para o filme, mas também o próprio Rocky Balboa. Quando Donnie e Rocky interagem, existe uma química entre os dois. Ambos têm defeitos e qualidades e os diálogos soam naturais. Numa das melhores partes, Rocky pergunta por que Donnie sente-se seguro com uma foto em um celular. O mais jovem responde que a foto já está na nuvem. A reação do mais velho é engraçada e coerente com o personagem.
O filme perde muito com a repetição de narrativa. Ele simplesmente não é original, mas Coogler consegue preencher a estrutura com conteúdos bons, que superam a falta de originalidade. Ao mesmo tempo em que fica óbvio o que vai acontecer na história e, em algumas partes, até como vai acontecer, também é possível se surpreender com coisas novas. Desde um protagonista mais irritado e menos sábio (o Rocky era um homem sempre calmo, mas com uma sabedoria das ruas), até a direção. A franquia sempre usou mais câmeras estáticas e fotografia cinzenta. Aqui a câmera se movimenta através dos cenários para acompanhar os personagens, mas quase escondida. Como se alguém tentasse registrar cenas da vida real. Quando começam as lutas de Donnie no ringue, ela torna o evento grandioso porque no ringue ele é o melhor que consegue ser.
Destaque para a primeira luta profissional. Ela é filmada inteira com apenas um take. O que implica uma coreografia que vai além do que está na tela. A câmera se mexe entre os dois atores de acordo com os movimentos de ambos para dar close quando é preciso destacar as reações exatas. Os dois aumentam o número de feridas entre os golpes. Ou há cortes falsos na cena, ou computação gráfica, ou eles encaixavam a maquiagem sempre que um ou outro saía de cena. Se for o caso, é um trabalho técnico primoroso. O clímax não repete a estratégia, porque precisa seguir a premissa das lutas da franquia. Mas é justamente porque repete que é tão empolgante quanto.
Donnie sob a supervisão de Rocky. Treinamento das antigas.
A trilha sonora é ótima. Desde o começo, entoa fortemente um tema novo para o protagonista novato. Aqui e ali partes das músicas clássicas do Rocky parecem tocar entre os temas. É quando Donnie compreende o verdadeiro legado e se descobre que a música dos dois se mistura e o verdadeiro tema dá as caras de verdade. Isso envolve uma mixagem das melodias do Bill Conti com ritmos de rap que se adequam ao mundo de boxe de Donnie.
O Michael B. Jordan é uma força da natureza. Quando o ator quer passar um sentimento, a emoção parece irradiar dos personagens dele para a tela e para o espectador. Ainda assim, Donnie não é o papel que vai fazê-lo decolar. O ator que domina o filme é o Sylvester Stallone. O Rocky dele já foi vulnerável antes, mas ele nunca expressou tanta dor com tanta sinceridade. A cena em que relembra a morte da esposa tem um pequeno momento de tristeza que ele domina para não se acabar em lágrimas é digna dos maiores atores.
É uma grande cópia de tudo o que já foi feito com Rocky antes, mas funciona quase tão bem quanto. Isso porque cria coisas novas para enganar e depois entrega os clichês bem feitos, que emocionam pelos mesmo motivos que o fizeram antes. De certa forma, é quase como ver Rocky: Um Lutador pela primeira vez, mas com muito menos surpresas.
ALLONS-YYYYYYYYYYY…