Crítica de Deborah Fortuna.
“Não há assassinatos no paraíso”. Se a frase repetida durante todo o longa Crimes Ocultos for verdade, Daniel Espinosa, diretor da produção, deixou claro que a União Soviética não chegava nem perto disso. Apesar de uma ideia original e interessante, o roteiro mal trabalhado incomoda o filme inteiro.
A história se passa no início dos anos 50, quando a URSS ainda estava debaixo das asas de Stalin. Nisso, Leo Demidov (Tom Hardy), um órfão que se torna um grande herói de guerra, se vê preso em uma situação: o filho de seu melhor amigo está morto e apesar do laudo oficial ser claro em dizer que foi um trágico acidente de trem, o amigo acredita na hipótese de haver um assassino.
Mas assassinatos são considerados reais apenas em sociedades capitalistas.
E ao questionar isso, Demidov passa a ter sua lealdade testada. Por se recusar a denunciar sua própria esposa como traidora (Noomi Rapace), os dois são exilados de Moscou para uma pequena cidade, e lá ele começa a trabalhar para o General Nesterov (Gary Oldman).
Demidov (Hardy) e a esposa (Rapace).
Ainda que pareça mais calma do que a capital, a cidade também guarda um rastro de crianças mortas da mesma maneira como a do filho de seu amigo. Quando descobre que perto da área há 44 corpos encontrados da mesma forma, Demidov, disposto a parar com a matança, busca todas as maneiras de encontrar o suposto serial killer. Simultaneamente, lida com o ódio de um antigo colega de guerra.
Ao mesmo tempo em que o filme quer criar uma história interessante com várias cenas para deixar o telespectador ansioso e angustiado com o suspense e a ação, o roteiro falha miseravelmente com uma confusão de situações mal explicadas. Teria tudo para ser um dos grandes favoritos de crítica: as cenas escuras casam perfeitamente com o clima pós-guerra de uma Rússia antiga. A atuação de todos os atores é fantástica e até o sotaque russo se torna convincente. Não há dúvida que um elenco de peso foi formado e em nenhum momento duvida-se da capacidade de qualquer um deles. Além disso, a trilha sonora abraça o suspense e deixa uma tensão que algumas vezes é cumprida por cenas rápidas e angustiantes. E o filme também consegue caracterizar o clima repressor da época que abafa os casos para convencer de que o país é o paraíso.
Mas mesmo com todos esses pontos a favor, todos os personagens são mal trabalhados. As histórias pessoais e as relações entre eles são mal explicadas.
Demidov encara o novo chefe, o general Nesterov.
A busca pelo serial killer e o ódio com o colega de guerra poderiam virar dois filmes diferentes, mas juntos deixaram várias ideias sem conclusão. O filme não mostra tudo que gostaria de contar. O que deixa a narrativa cansativa e o roteiro pouco aprofundado.
Além disso, em algumas partes do filme, a coragem de Leo Demidov não convence. A busca por um heroísmo, por vezes, parece as de filmes com heróis americanos que lutam contra os russos. Não a toa a exibição foi proibida na Rússia.
A premissa do enredo é interessante e vale pelas cenas de ação e fotografia caprichosa. Apesar do potencial, o que era para ser um filme que conta uma história de suspense pós guerra com a repressão de um governo totalitário e suspense de serial killer se torna 138 minutos que falham lamentavelmente e não contam nenhum dos dois.