De vez em quando as pessoas me perguntam por quê não gosto de filmes como Transformers e Resident Evil. A resposta é simples. São filmes de ação ruins. É impressionante como uma produção sem grandes extravagâncias pode ser superior a algo tão mais pretensioso.
John Wick (Reeves) perde a esposa para uma doença terminal. Para ajudá-lo, ela lhe dá um cachorro para que ele tenha alguma coisa para direcionar suas emoções. No dia seguinte ao funeral, um russo tenta comprar seu carro caro, mas ele nega. O desconhecido invade sua casa durante a noite, rouba o carro e mata o cachorro. John resolve buscar vingança e descobre que o assaltante é filho de um antigo sócio, o líder da máfia local. John era um assassino da máfia.
Parece um simples filme de vingança do estilo “Eles mataram sua família. Grande erro!”, mas o filme se presta a ser também um mergulho na culpa de um homem que executou muitas pessoas e conseguiu, por algum tempo, um final feliz. Também pretende fazer boas e detalhadas cenas de ação.
De Volta ao Jogo usa de muitos recursos bastante básicos de filmes de ação genéricos na construção de seu roteiro. Trama de vingança, homem passa matando bandidos perigosos, herói de poucas falas, vilão caricato e por aí vai. O negócio do clichê é que ele pega estigma negativo quando é repetido à exaustão por pessoas sem talento. No caso de De Volta ao Jogo, o roteiro usa todos os recursos sem cair no lugar comum.
O cachorro da vingança. É possível compreender as motivações de John.
Ele constrói um submundo secreto do crime bastante imaginativo. Existe um hotel no qual criminosos são proibidos de fazer negócios para garantir um espaço de paz. Nada é explicado com falas expositivas. O texto permite que o espectador compreenda o universo criado ao observar o que ocorre na trama. Ele cria momentos nos quais um diálogo entre Wick e outro personagem desenvolve a trama e dá dicas suficientes para que a lógica do funcionamento passe para quem assiste. Ele não precisa de personagens dizendo como Wick é perigoso, basta ver a reação das pessoas ao descobrir que ele está vindo. O mafioso vai ameaçar um subordinado por ter batido em seu filho. Quando o homem diz que bateu porque ele mexeu com John, o mafioso o perdoa imediatamente e começa a se preocupar com sua segurança.
O diretor estreante Chad Stahelski é um grande dublê profissional no cinema estadunidense e usa sua experiência com produção de cenas de ação para filmar os vários momentos violentos do filme. Ele criou junto com a equipe o que chamavam de gun-fu (arma fu), uma mistura de movimentos de artes marciais do estilo kung fu com tiroteios. Para capturar esses momentos, faz planos longos que acompanham os vários movimentos da coreografia. O trabalho dos dublês junto com Reeves impressiona. Em diversas cenas é possível ver que é o ator fazendo rolamentos, golpes específicos e até alguns choques físicos pesados. Nas cenas lentas, a câmera está sempre em ângulos de baixo para cima para sugerir como aqueles assassinos são pessoas acima do padrão comum. A fotografia explora tons e cores de lâmpadas para dar um tom urbano.
Como John é um assassino tão eficiente, quando enfrenta pessoas que não são boas em confronto, Stahelski não se contenta em apenas mostrá-lo matando os caras. Ele filma essas cenas como se fossem filmes de terror. Um cara usa um banheiro e percebe que a porta se moveu, quando se abaixa para molhar o rosto na pia, o reflexo do espelho mostra John fazendo alguma chacina no fundo. Mas a maioria dos confrontos de John são com outros assassinos exímios e o filme não o trata como um assassino perfeito. Ele erra com frequência e sofre com cada golpe que recebe.
Em certo ponto da fita, Wick e um de seus grandes inimigos discutem o valor da vida com a qual se envolveram. Wick era um assassino frio e terrível, mas ainda assim conseguiu uma vida boa. Aposentou-se em paz do mundo do crime e se casou rico. O vilão reflete sobre o que ele merecia. Era karma sofrer a perda da esposa e do cachorro para ir chacinar os bandidos que também mereciam morrer? Será que Wick está impossibilitado de algum dia deixar de viver como um homem que se resume a assassino? O filme, surpreendentemente, dá muito espaço para aprofundar essas questões.
Keanu Reeves com ódio. O ator se entrega ao papel.
Keanu Reeves está ótimo e apresenta uma de suas melhores interpretações. Ele tem momentos dramáticos pesados e um rápido monólogo próximo ao final no qual sua voz muda com o tom da conversa. Michael Nyqvist rouba a cena como o grande líder da máfia. Ele aparenta perigo com poucas falas apenas com sua postura e um leve desdém com as pessoas que considera inferior. O filme também tem o Willem Dafoe com uma participação muito interessante como um outro assassino.
Eu e meu amigo que assistiu ao filme comigo saímos do cinema ponderando sobre como seria legal ver uma expansão do universo de John Wick. Uma série de quadrinhos apenas sobre o hotel de criminosos já seria muito interessante. Talvez uma história fechada sobre o passado de Wick, que também é descrito no filme com detalhes que criam curiosidade. Trata-se de um dos melhores filmes de ação do ano com boa condução e bastante profundidade.
ALLONS-YYYYYYY…
Keanu sempre nos surpreende em suas apresentações. A cada filme nos deparamos com um ator mais maduro em uma personagem totalmente diferente dos outros filmes. Sempre se entregando de uma maneira mais comprometida em sua profissão.