Quando a gente acha que já viu de tudo, o mundo pula de dentro de uma caixa de bombons gritando IÉ IÉ. Foi mais ou menos o que eu pensei quando assisti Sangue Negro pela primeira vez, sozinha, no cinema quase vazio às 19h de uma quarta-feira. Era mais barato.
Tudo estava correndo bem pelos primeiros 10 minutos da película – quando o magnífico Daniel Day-Lewis está quebrando tudo e se sujando de petróleo – até que, do nada, a luz acendeu e o rolo parou de rodar. Pensei “será que teve algum problema no projetor?” e olhei para cima. Mas a única coisa que localizei foi uma das pessoas da plateia, sentada nas primeiras fileiras, levantando e esbravejando. Não entendi na hora se era de raiva ou de agradecimento, e boa parte das pessoas presentes (umas 15?) também não entenderam.
Nos entreolhamos, em solidariedade, e algumas começaram a chamar algum funcionário na projeção, achando que o problema estava ali. O homem que havia se levantado lá na frente retornou ao seu lugar, acompanhado de um funcionário, que imediatamente começou a explicar o que acontecera.
– Vamos recomeçar a exibição do filme a pedido de um dos clientes, pois ele perdeu parte do filme porque chegou atrasado.
Eu juro que não acreditei quando ouvi, mas era isso mesmo. O cara foi pedir pra rebobinarem o filme – como se estivesse no sofá de casa com sua pipoca – porque ele chegou tarde pro horário da sessão.
Como já falei aqui, eu evito fazer barraco, porque geralmente alguém me impede. Mas naquele dia eu estava sozinha, e ninguém me conhecia. Me senti no direito, e fiquei grata ao descobrir que eu não era a única. Eu e mais outros 3 clientes começamos a discutir com o funcionário que aquilo não fazia o menor sentido. A sessão havia começado no horário certo, então se o cara se atrasou é problema dele. O homem então levantou e disse que deveríamos entender porque ele pagou pelo ingresso então tinha direito de ver o filme inteiro. Eu retruquei que ele tinha todo o direito de ver o filme inteiro, NO HORÁRIO DA SESSÃO. O funcionário não sabia bem o que fazer.
No fim das contas, enquanto discutíamos, o rolo já estava sendo “rebobinado” manualmente, logo demoraria ainda mais voltar o filme para o ponto onde estava. Reassistimos aos primeiros 15 minutos com sensação unânime de que algumas pessoas precisaram de grandes repressões quando era pequenas, mas não tiveram e saíram mimadas e egoístas. E para conviver amigavelmente em sociedade – e uma sala de cinema nada mais é do que uma sociedade em prol de um objetivo: ver o filme – é preciso deixar de pensar no próprio umbigo.
EVERYONEEEEEEE…