O diretor Judd Apatow é uma figura diferente dentro do filão de comédia hollywoodiano. Todos os filmes do diretor falam sobre adultos presos à adolescência que precisam amadurecer. Inclusive, os filmes que ele produz também tratam do tema. É uma carreira interessante que poderia ser ainda melhor se ele não misturasse o foco com outras propostas, como no caso deste Descompensada.
Ao invés dos marmanjos maconheiros de O Virgem de 40 anos e Ligeiramente Grávidos, o protagonismo aqui recai sobre a jornalista Amy (Amy Schummer). Traumatizada na infância pela separação dos pais e pela figura paterna que repudia relacionamentos, ela evita compromissos românticos ao máximo, até se ver apaixonada pelo médico Aaron (Bill Hader).
Ele é vulnerável, procura por um relacionamento duradouro com alguém que ama e teve poucas relações durante a vida. A inversão de papéis é óbvia. Ou pelo menos deveria ser. A mulher é a “pegadora” e desapegada e o homem é romântico e vulnerável. O contexto é interessante e abre espaço para um desenvolvimento inteligente e único no cinema. Mas, como já foi dito antes, trata-se de um filme do Judd Apatow.
O roteiro da atriz principal, Amy Schumer, tem diferencial em relação aos outros filmes de Apatow. Apesar de momentos esporádicos de humor relacionado a detalhamento de partes do corpo, muito da comédia vem exatamente do contraste que a trama propicia. Existem cenas antológicas em que Amy subverte os padrões esperados de relacionamentos, como o término com um dos casos dela. O cara, um homem imenso (numa interpretação surpreendentemente hilária do lutador John Cena), quer se casar com ela sem que ela sequer tenha percebido que estavam em um relacionamento sério.
Entre as piadas, aparecem frases eventuais que demonstram a inteligência do roteiro. Numa das brigas com Aaron, ele descobre que dormiu com um número muito menor de pessoas que ela. Na discussão, o médico explica que não há problema com a vida sexual dela. O problema é a insegurança dele. É tudo típico do estilo de Schumer, que mistura questões de representatividade com o humor desde que fazia séries de TV e stand-ups.
Apatow mais uma vez demonstra como é um excelente diretor cômico. Ele sabe como poucos quanto espaço e tempo deve dar para que os atores sob o comando dele improvisem. Com uma dupla de atores humoristas da nata de Schumer e de Hader apenas gera diálogos ainda mais engraçados do que eles deveriam ser no roteiro original. Mas mais interessante que isso, Apatow sabe como fazer imagens que explorem as vulnerabilidades dos personagens e ainda fazer comédia com isso. Deixa que Amy se sinta insegura por estar em um relacionamento duradouro e monogâmico e que Aaron tenha desespero com medo de perdê-la para o estilo de vida que levava antes de conhecê-lo.
Deve-se dar destaque para as participações especiais de celebridades no filme. Além de John Cena, o Daniel Radcliffe, a Marisa Tomei, o LeBron James e até o Matthew Broderick fazem aparições pontuais de rachar o bico. Mas Apatow é inteligente de não fazer com que o show seja das estrelas convidadas, mas do casal protagonista.
Schumer não é uma grande atriz ainda. Muito do jeito dela remete a reagir a situações. Muito provavelmente por causa do background de comediante. Hader, por outro lado, é ótimo. Eterno coadjuvante em outros filmes, ele sabe usar o perfil corporal para demonstrar insegurança e vulnerabilidade, mas ainda tem simpatia de sobra para fazer com que Aaron seja adorável. Também é preciso falar da Brie Larson como a irmã de Amy, porque ela é ela. E só por isso já merece destaque.
O grande problema se encontra na eterna proposta de Apatow com as tramas dos filmes dele. Enquanto o enredo é grandioso especificamente por ser sobre subversão de papéis sociais e expectativas de relacionamentos, a resolução passa uma mensagem que se contradiz. A lição que fica é que ser independente e não querer constituir família é coisa de gente que precisa amadurecer. Como se ser uma jornalista de sucesso e autossuficiente não fosse bastante para que Amy seja uma adulta responsável.
Descompensada tem tudo para ser único, interessante e maravilhoso, mas como na maioria de comédias românticas que tratam de questões tabus, a mensagem passada no final é assustadoramente conservadora. O que não condiz com a carreira única de Schumer como atriz e comediante. Ainda vale por momentos brilhantes que geram reflexões inteligentes e necessárias.