Até alguns anos, um dado sombrio pairava sobre o consumo de cinema no Brasil. Levantamentos indicavam que a média de ida do brasileiro ao cinema era de 4 vezes ao ano. Para a população de centros urbanos o número é maior, mas alguns entre aqueles que vivem em cidades pequenas e afastadas nunca pisaram em uma sala de projeção. Muito do reflexo sobre essas comunidades “de interior” é o que transborda deste Dias Vazios.
No município de Silvânia, em Goiás, o adolescente Daniel (Arthur Ávila) tenta escrever um livro sobre Jean (Vinícius Queiroz) e Fabiana (Nayara Tavares). Os dois eram um casal namorava na cidade e estudava na mesma escola que o biógrafo deles. O garoto se matou antes e a garota desapareceu. Para ajudar a descobrir o passado dos dois, ele conta com a ajuda da própria namorada, Alanis (Natália Dantas).
O roteirista e diretor Robney Bruno Almeida levou oito anos para adaptar o livro Hoje Está um Dia Morto, de André de Leones. E é possível notar esse trabalho extensivo no texto e na estrutura de Dias Vazios. Existe um cuidado em pequenos detalhes da narrativa que ajudam a contar a história sem que sejam explicados por falas em cena.
Isso porque ele divide a trama em três atos definidos em tela por títulos que indicam a divisão de capítulos do texto escrito pelo protagonista. No primeiro, o último dia de vida de Jean é narrado pela voz de Alanis. Como se o espectador visse a história tal qual ela é lida pela personagem. No segundo trecho, quando o foco volta para o tempo atual e a vida do adolescente escritor, é possível encontrar mudanças que revelam as inspirações de Daniel.
Uma tarde de sexo entre Jean e Fabiana é retratada com uma construção de enquadramento poética, assim como a música é clássica, mesmo que o gosto deles seja voltado para bandas como Nirvana. A capa do álbum In Utero ostenta a forma de cruz na parede. No segundo ato, quando Daniel e Alanis estão em casa depois da transa, eles realmente escutam a música clássica, não ficam deitados coladinhos em uma composição elaborada e a parede revela a imagem de uma cruz religiosa. Além disso, o diálogo quase erudito do casal misterioso é trocado por falas mais diretas e verossímeis para adolescentes.
É um cuidado primoroso que se reflete também na fotografia. Maurício Baggio, encarregado por esta parte técnica, repete ângulos e iluminação entre as duas linhas de tempo. Assim, é possível ver outro reflexo entre a história contada por um personagem, e a visão dele do mundo. O mesmo pode ser dito da direção de arte de Letycia Rossi, que enche os cenários de tons pasteis, com destaque para o azul e o branco em saturação baixa. É como se a cidade não permitisse cores para aquelas vidas vazias.
Bruno Almeida escolhe fazer com que o filme seja lento, com longos planos silenciosos. Assim é capaz de indicar a sensação de tédio e de aprisionamento dos personagens. O espectador sente a morosidade nas vidas de Daniel e de Jean, em particular. Especialmente porque é no desespero do primeiro que se encontra a origem para a descrição do segundo.
Em consideração que se trata de um grupo de atores adolescentes para papéis de muita complexidade emocional, Dias Vazios apresenta um desbunde de interpretações. Ávila demonstra bem a ânsia por sair da cidade e por se tornar um artista com um silêncio quase desdenhoso para tudo, até para a namorada. Esta, vivida por Dantas, vai da descontração da vida jovem comum para vários momentos trágicos com naturalidade.
O destaque, porém, fica com Queiroz. Seu Jean é quase uma multiplicação dos sentimentos de Daniel. Se o escritor mostra um desdém discreto, o personagem exalta desespero pela falta de perspectiva devido às mesmas coisas que inquietam o outro. A cena em que ele percebe que quer morrer não precisa de explicação. É possível ver nos olhos do ator a vontade de deixar de viver.
Assim, Dias Vazios se propõe a ser algo como uma elegia não à Jean, mas às pessoas que anseiam por mais. Se os quatro personagens em que a história do filme se foca não têm objetivos e motivações em comum, todos buscam sair da vida “de interior” e se encontrar como algo à parte do mundo em que foram obrigados a viver até então.