Falar de clássicos é complicado. Fica ainda mais complexo quando se trata da década de 1980. Existe uma nostalgia muito grande acerca de produções desse período. Mas a época era imbuída de uma estética específica que envelhece muito as caracterizações. Pior ainda para o crítico de cinema que se mete a assistir à obra pela primeira vez em um Vivo Open Air cercado por fãs do negócio.
A trama, porém, não segue à risca as regras da época. Durante as férias da família rica em um hotel nas montanhas, Baby (Jennifer Grey) descobre o prazer de dançar merengue com os trabalhadores do local. Quando a melhor dançarina do grupo precisa se retirar por problemas de saúde, Baby se oferece para substituí-la em uma competição. Enquanto ensaia e aprende com Johnny Castle (Patrick Swayze), ela precisa enfrentar o preconceito que existe entre as classes presentes no resort.
Algumas coisas são comuns aos anos 1980: o preconceito com músicas e danças, o questionamento com a sexualidade aberta, os homens perigosos de cabelos longos que se apaixonam pelas mocinhas inocentes que se permitem descobrir os próprios limites. Mas como os melhores da época, Dirty Dancing não tem pudores de mostrar alguns dos lados mais pesados e obscuros do estilo que a década tanto reproduzia no cinema.
A vida dos pobres empregados é verdadeiramente difícil. Eles são humanos que cometem erros e são julgados por isso. As pessoas fazem sexo e o filme deixa isso claro. As palavras ditas em momentos de tensão são duras e as questões não têm soluções fáceis. A trama explora isso bem no estilo da Jane Austen em Orgulho e Preconceito. As pessoas com pouco dinheiro sofreram tanto nas mãos dos mais ricos que se encheram de orgulho e também têm discriminação.
É o desafio de Baby. Gosta dos empregados e da vida deles no hotel, mas não é bem aceita por eles por ter origem rica. Mesmo que ela seja a única pessoa ali que não os vê com maldade. Mesmo que erre no tratamento porque é inocente. O roteiro de Eleanor Bergstein faz com que todos os personagens sejam estereótipos sem profundidade. Baby é só uma garota correta, Johnny é só o sedutor sombrio. Mas as questões e as mensagens são ricas. E os diálogos são bons nesse sentido. Johnny tem raiva de Baby à princípio e depois se questiona sobre o próprio comportamento ao perceber que aquela garota inocente é realmente boa.
O diretor Emile Ardolino sabe contar a história. Os bailes secretos dos funcionários são cheios de fumaça e de cores vermelhas, para demonstrar os pecados deles. Mas quanto mais Baby mergulha naquele mundo, mais o mundo se enche de cores, mais ela e Johnny passam a se encontrar na luz e o choque das roupas claras dela com as escuras dele se realçam. Parece um contraste de início, mas com o tempo passa a ser um complemento. Opostos que se tornam um. Também é interessante notar que as roupas dela passam a revelar mais o corpo. Não porque Baby se tornou “vulgar”, mas porque ela está mais segura de si.
Para a época, é surpreendente como trata de temas tabus, como aborto, sexualidade e “feminilidade”. Os problemas da produção se encontram nos exageros. As músicas com sintetizadores, as danças que não causam nenhum choque atualmente ou a estética de figurinos e cortes de cabelos envelhecem muito. Em especial, grande parte dos preconceitos não fazem mais sentido, como o pai que não consegue aceitar que a filha na casa dos vinte anos tenha feito sexo. Sem contar que muitas coisas geram risadas involuntárias.
Ironicamente, é um dos dois grandes papéis das carreiras dos dois protagonistas. Patrick Swayze ficou famoso por este filme e por Ghost, enquanto Jennifer Grey também se destacou apenas em Curtindo a Vida Adoidado. Os dois são ótimos, mesmo que se entreguem aos arquétipos que interpretem. É possível ver a entrega tanto na parte física por meio da dança quanto na parte emocional. Mesmo revoltado, Johnny tem vulnerabilidades e os sorrisos e choros parecem verdadeiros. Enquanto Grey faz com que os olhares assustados de Baby ganhem a malícia de uma mulher que sabe do que gosta e quer sem medo de julgamento. E quando este vem, ela o encara segura de que não fez nada errado.
Pela comédia que surge quase por acidente, o filme perde muito da força que merecia. Inclusive, mais de uma vez é fácil cair na gargalhada, como na cena em que o pai de Baby vai sofrer sozinho depois de descobrir que ela não é mais virgem. Ainda é uma obra interessante. Ou, como foi dito várias vezes depois da sessão, é um maravilhoso filme ruim. Mas será que poderia ser chamado também de ótima produção que envelheceu mal?
P.S.: Recomendo fortemente assistir em alguma sessão aberta ou cine clube. É muito mais divertido ver mulheres adultas reagirem ao Patrick Swayze como adolescentes reagem ao vampirinho de Crepúsculo.