Divergente é o primeiro de uma série que pretende ser a nova “tendência” de franquia de livros para adolescentes levados ao cinema. Felizmente, o filme segue mais a linha de Jogos Vorazes e Harry Potter e menos a linha Crepúsculo e Dezesseis Luas. Infelizmente, isso não é sinônimo de qualidade.
A trama se passa em um futuro pós-apocalíptico no qual uma guerra deixou a Terra desolada. Apenas Chicago permanece de pé na vastidão destruída. A sociedade lá dentro se dividiu em cinco facções com funções diferentes. Para descobrir em qual facção uma pessoa pertence, ela faz um teste ainda jovem que dirá em qual grupo deve entrar. A protagonista, Tris, sai do teste com o resultado indicando que ela é uma divergente. Ou uma pessoa que se adequa nas cinco facções. Então ela se esconde na facção militar, onde precisa esconder sua condição para não ser morta.
A proposta é bem simples, ser um comentário social através da ambientação em um futuro distópico em que uma sociedade é dividida em castas. Daí a semelhança com Jogos Vorazes. A divisão entre as facções separa um grupo dos inteligentes, outro dos porradeiros e corajosos, um dos que tem bom coração e outros dois que não são importantes para a trama. Daí a semelhança com Harry Potter. Tris acaba descobrindo o amor com um dos caras da facção nova. Semelhança com Crepúsculo.
Divergente é, bem claramente, uma mistura de tudo o que vem dando dinheiro recentemente. Não quer dizer que o filme é ruim. Mesmo cópias podem gerar ideias interessantes se o material as repetir com elementos novos. E Divergente até faz um bom trabalho nesse sentido. O problema não está em se reinventar, mas em como ambienta isso.
O filme começa com a personagem explicando esse universo. As cinco facções são apresentadas com cinco cores diferentes. A facção da Abnegação, onde Tris nasceu, usa pedaços de panos cinzas e trata de cuidar dos necessitados e de controlar o governo. A Audácia, com cores negras, trata da segurança de Chicago e seus cidadãos. E a Erudição, cores azuis, trata do conhecimento. As outras duas facções cuidam da alimentação, vermelho, e do sistema judiciário, branco. Quem não se encaixa em nenhuma das facções, vira um mendigo, sustentado pelos indivíduos da Abnegação.
É uma suposta utopia. Mas que não faz sentido já pelo fato de que há mendigos. Não sei se o livro os representa assim, mas no filme são visivelmente mendigos. E se o sistema de facções é tão injusto assim, por que os caras inteligentes não buscam uma solução para essa gente? Por que esses mendigos não tentam fazer uma rebelião ou se expressar? Afinal de contas, eles são uma porcentagem considerável da população.
Não bastasse isso, quando cada facção é apresentada, os audaciosos aparecem como um grupo de pessoas que corre pelas ruas felizes da vida. Mais tarde, quando aparecem de novo, eles saltam de um trem e rolam no chão mostrando que são bons no Parkour. Daí eles se levantam sorrindo, apenas porque rolar no chão é divertido.
“Vamos ver se esse negócio de rolar no chão é maneiro ou se é só zoeira.”
Não é a toa que todo mundo quer participar da Audácia, inclusive Tris. O teste de para qual grupo ela é mais adequada indica que ela é uma divergente, que se encaixa em qualquer facção. Porém, por algum motivo, divergentes tem que ser mortos. Felizmente, quem fez o teste também é uma divergente escondida e dá para Tris a chance de sobreviver. No outro dia, vem a escolha. Todo mundo que fez o teste no dia anterior agora pode escolher diante da sociedade em qual facção vai passar a viver. Então Tris resolve ser do grupo que se diverte rolando no chão para descobrir, menos de dez minutos depois, que eles são como os espartanos. Treinam os participantes brutalmente para descartar os mais fracos. Que propaganda falsa, hein? Até outro dia, eles eram os caras que corriam por aí se divertindo, agora que ela entrou, eles são militares cruéis.
Mais uma incoerência. Se a pessoa vai escolher a facção, pra que diabos serve o teste? Se for para encontrar os divergentes, eles estão fazendo um péssimo trabalho sendo que tem uns vinte deles na trama. A explicação é que os divergentes precisam ser mortos porque são um perigo para esse sistema ilógico. Mas, no final do filme, quem argumenta a favor do sistema são justamente os personagens que são divergentes.
Depois de passar pelo chapéu seletor (o teste das facções) e escolher ser da facção que mistura a Grifinória e a Sonserina (Audácia), Tris precisa esconder que é uma divergente. Ela é péssima nisso. Pouco a pouco um monte de gente vai percebendo o que ela é e convenientemente, só pessoas que também são divergentes.
Enquanto ela passa pelos treinamentos de ferro da Audácia, também enfrenta testes perigosos e se apaixona pelo superior hierárquico. O treinamento é importante para a trama, mas esse trecho se perde em um monte de cenas do livro que não fazem diferença no filme.
Essa parte aumenta muito a barriga que surge no meio do segundo ato. Por outro lado, o romance não é construído com imagens da protagonista suspirando por qualquer coisa que o cara faz. Eles possuem pequenos momentos de contato em que dá para ver a afeição sendo construída. Ainda assim, no final da produção, é impossível acreditar que ele é mais importante pra ela que seus pais. Mesmo que o filme tente vender essa ideia.
Quando a projeção está com duas horas, surge a revelação de que o motivo pelo qual a sociedade está ruindo é porque os caras da Corvinal (Erudição) querem mandar em tudo porque acham que protegem melhor o sistema. Mas, para protegerem o sistema, eles o estão ruindo. Deveria haver alguma reflexão social, mas a trama simplesmente não faz sentido.
Durante o clímax, um monte de cenas de ação mal conduzidas e um vilão que troca de lado porque levou um tiro no braço. Simples assim, o cara foi antagonista o filme inteiro e de repente passa a ser bonzinho porque levou um tiro. Não tem discussão ou argumentação, a bala simplesmente colocou juízo na cabeça dele.
Ainda assim, quando o filme acabou, me peguei questionando porque não havia achado a sessão um desastre. Repensando a produção, só lembrava de defeitos, mas a experiência como um todo não foi tão incomoda. Depois de algum tempo, percebi que isso se deu por conta da atriz principal, Shailene Woodley.
Woodley não é uma Jennifer Lawrence. Ela não merece um Oscar nem é a mulher ridiculamente sexy que a protagonista de Jogos Vorazes é, mas é talentosa o suficiente para conseguir carregar as duas horas e vinte de filme nas costas. Ela consegue dar tanto carisma para Tris que o espectador se importa com ela e a acompanha até o final. Mesmo com todos os problemas que acontecem no filme ao seu redor.
Ela faz isso tão bem, que consegue sustentar o filme mesmo com todo o elenco atuando com indiferença. Seu par romântico, Theo James, é mais um galã de queixo quadrado e pouco porcentual de gordura. Assim como esse cara é forte, ele é inexpressivo. Pelo menos, ele consegue ser melhor que o Robert Pattinson. De resto, é curioso ver que dois dos pares românticos de outros filmes de Woodley interpretam um seu irmão (par dela em A Culpa é das Estrelas) e o outro um garoto que faz bullying com a personagem (par em The Spectacular Now). Além deles, a Kate Winslet não faz mais do que entrar, dizer suas falas e sair de cena. A Ashley Judd, o Mekhi Phifer, o Ray Stevenson e a Maggie Q emprestam a popularidade de seus rostos e não fazem muito em cena.
Se o nome do filme fosse Shailene Woodley, seria praticamente perfeito para o que se vê em tela. Duas horas da atriz segurando as pontas de uma produção que capenga ao seu redor. Os contextos, as ideias e a intenção são todos muito bons. Mas a concepção é que falha. Não é um Jogos Vorazes, mas com certeza vai agradar os fãs do livro e os adolescentes.
FANTASTIC…
1 comentário em “Divergente”