Com raras exceções, a Pixar faz algo que se tornou incomum no cinema atualmente: arrasa quarteirões de sucesso completamente originais. É preciso ter cacife para bancar um projeto de seis anos de produção que mistura vários subgêneros, como road movies, aventuras adolescentes oitentistas e fantasia medieval. Ainda por cima, com a pegada humana típica do estúdio.
Isso porque a jornada dos irmãos elfos Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) Lightfoot depois que descobrem que o mais novo tem poderes mágicos é mais sobre os personagens que sobre a aventura. O pai falecido deixou um cajado para eles com a magia necessária para que possam passar um dia com o progenitor. Mas o encanto dá errado e só traz metade do parente de volta. Para ter o corpo completo, precisam encontrar uma pedra poderosa há muito desaparecida.
A viagem se dá em uma realidade em que os seres mágicos aprenderam a usar a ciência e deixaram a magia de lado para viver no conforto de edifícios e da eletricidade. Então, a história acompanha dois elfos que têm um dragão de estimação, lancham numa rede de fastfood gerida por uma mantícora, e são vizinhos de sereias e fadas. O que é um contexto fértil para a inventividade da Pixar.
Se tem algo que nunca vai faltar nos filmes do estúdio, é riqueza técnica. Não basta ter um universo interessante, eles precisam preenchê-lo com detalhes que façam com que ele pareça mais real. Então é possível encontrar todo tipo de coisa nos cenários. Como a van de Barley, que tem um adesivo pequeno de uma banda de metal no estilo Megadeth, mas cujo nome é Basilisk, uma referência aos gostos do personagem, e ainda ao ser mitológico.
Além disso, a qualidade técnica é sempre impressionante. Desde o trabalho de câmera, com atenção para o foco, até a forma como elementos parecem de verdade. Fogo, líquidos, tecidos e pelos são coisas dificílimas de serem criadas em animação por computador, mas os objetos são tão bem feitos que parece que o filme foi filmado, e não feito em um ambiente digital.
Isso tudo fortalece a ambientação e detalhes de humor. Fazer com que os motoqueiros violentos das estradas dos Estados Unidos sejam fadas ajuda tanto as crianças quanto os adultos a rir. Os pequenos pela voz esganiçada e pelo tamanho delas. Os maiores pela ironia de um ícone de violência ganhar contornos tão fofos e inocentes.
O outro elemento técnico típico da Pixar que nunca deixa a desejar também está presente: o roteiro bem construído. Isso porque o estúdio tem como regra focar nas relações dos personagens e em fazer com que cada cena seja mais sobre isso que sobre a ação em si. É por isso que a perseguição das fadas atrás dos irmãos é mais sobre o processo de Ian aprender a dirigir que sobre os perigos que passam na pista. Esses elementos reforçam e avançam até o clímax, quando a reflexão a ser feita é transmitida.
E como sempre, a Pixar emociona com a complexidade dessas relações. Porém, derrapa um pouco com os protagonistas. Ian não é um personagem que desperta muita empatia. Ele age de forma egoísta na maior parte do filme e o conflito dele em relação ao pai e ao irmão mais velho parece superficial. É até mais fácil torcer por Barley, que é mais um coadjuvante cômico que herói da produção.
Somado ao fato de que as cenas de aventura em si nunca parecem ser verdadeiramente arriscadas para eles, muitos momentos movimentados parecem se alongar mais do que precisam. Isso, no entanto, não compromete um filme redondo e extremamente competente na realização. Não é o melhor da Pixar, mas até o pior dela (Carros 2, não este) já é um filme minimamente decente.