Com a cerimônia do Oscar, acaba a temporada de premiações. E junto com ela, chegam os filmes que foram esnobados nas categorias, mas que claramente foram feitos para concorrer, como este Duas Rainhas. Certamente, não se trata da primeira leitura cinematográfica sobre a rainha escocesa, Maria Stuart (Saoirse Ronan, uma atriz que nunca decepciona), que conseguiu sobreviver à coroa britânica num jogo de poder que durou décadas. Talvez seja a primeira comandada por uma mulher.
A diretora Josie Rourke, junto com o roteirista Beau Willimon, busca a história da rainha desde o momento em que ela voltou da França com 18 anos depois de um casamento arranjado feito para que o irmão pudesse governar, até o exílio forçado na Inglaterra após vários golpes de estado para destituí-la.
Em meio a inúmeras reviravoltas políticas, os realizadores demonstram interesse, em particular, na relação dela com a rainha inglesa Isabel I (Margot Robbie, surpreende com tamanha austeridade e vulnerabilidade). A escolha é fundamental porque as duas, devido às posições políticas, seriam inimigas, mas são forçadas a criar uma espécie de sororidade diante do contexto patriarcal virulento em que ambas vivem.
Essa talvez seja a parte mais interessante do texto adaptado de livro do autor John Guy. Cada personagem com algum nível de poder no filme tem um interesse pessoal, o que faz com que apenas as duas sejam as mulheres que façam parte das tramas palacianas. Isso porque apenas rainhas teriam poder sobre homens. E mesmo assim, observadas avidamente pelos que as cercam.
Assim, cada fala ou decisão dos personagens envolve algum tipo de tramoia para conseguir algum objetivo secundário. Às vezes, por meio de casamentos, por gravidez planejada, pela abertura a diálogos com representantes de religiões e, no caso das duas, por sentimentalismo.
É onde entra a parte que talvez seja a mais incômoda do filme. Tanto Maria, quanto Isabel I, vivem pelas regras da sociedade machista em que nasceram, e por isso parece haver uma representação de que apenas elas têm sentimentos. Enquanto os homens ao redor são brutamontes que não se apaixonam ou sentem algo. Com exceção dos dois homossexuais que aparecem no enredo.
As duas personagens escolhem métodos diferentes para lidar com a política ao redor. Maria se permite ser “feminina”, o que o roteiro parece querer usar como paralelo com o fato de que ela podia engravidar, enquanto a outra era infértil. Por isso, Isabel I escolhe ser como um homem. Fria, distante e sempre escondida por uma máscara de maquiagem. O que conduz para os finais das duas.
Para isso, Rourke usa toda a técnica para contrastar o mundo de ambas. Isabel I vive em uma Inglaterra fria e dentro de muros, distante das cores da natureza, sempre com roupas e adornos que parecem esconder a pessoa. Enquanto Maria é rodeada por cores quentes na luz, e com maior saturação nos vestidos. Ela também é vista constantemente em situações mais banais e descontraídas, com as amas e amigas.
Em uma cena em particular, quando Maria tem o primeiro filho, os enquadramentos espelham os tecidos sujos de sangue nas pernas dela, enquanto Isabel I tem apenas costuras elaboradas de vermelho. Um reflexo de que ela inveja as capacidades naturais da colega e parente.
Duas Rainhas é um filme curiosamente feminista, de escrita ferina, em que cada diálogo esconde dualidades complexas. Por isso mesmo, é divertido ver os jogos políticos e a sagacidade dos personagens. Infelizmente, se alonga demais próximo do terceiro ato, e perde a oportunidade de construir antagonistas mais interessantes para as duas mulheres fortes que lideram a produção.