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Ao descobrir que este Ella & John trata sobre um casal de idosos com doenças terminais, o que veio à mente foi a ideia daqueles melodramas sobre os últimos dias dessa ou daquela pessoa. Porém, a produção acerta justamente por ser um road movie que busca celebrar e relembrar uma vida bem vivida, do que chorar o fim dela.
É justamente por isso que Ella (Helen Mirren) foge com o marido que sofre do mal de Alzheimer, John (Donald Sutherland), no trailer da família para cruzar os Estados Unidos em uma viagem que faziam quando eram mais novos com os filhos. Os dois começam a jornada justamente no dia em que ela deveria iniciar o tratamento para o câncer de cólon, que se espalhou pelo corpo.
Como a degeneração intelectual de John se apresenta com maior frequência no comportamento do personagem, é justamente a condição que se destaca no roteiro. E também é a desculpa ideal para que os dois revivam momentos diferentes da vida como casal na estrada.
É assim que o diretor Paolo Virzì, em parceria com outros três roteirista, desenvolve cenas que explicam a história sem que nenhum dos personagens precise explicar. Então o espectador compreende que John era um professor de literatura quando ele reconhece uma ex-aluna no meio do caminho, e deixa Ella atônita por reconhecer uma estranha mesmo quando a doença o impede de reconhecer os filhos e os netos.
Da mesma forma, esses pequenos momentos são divertidos devido à irreverência. É divertido ver Ella pegar carona em uma moto porque o marido a esqueceu na estrada em uma parada enquanto ela fazia compras. A situação também é o gatilho para um acesso de ciúmes dele, que remete a uma das tramas do passado que os dois precisam resolver na viagem.
Esse texto divertido e reflexivo ganha ainda mais com a dupla de atores. Além do carinho demonstrado por Ella ao cuidar do marido sempre que ele tem algum tipo de crise, Helen Mirren olha para Sutherland com ternura misturada com tristeza. Ela o ama profundamente e faria tudo por ele, mas sente falta do companheiro com quem se casou.
Enquanto isso, Sutherland não segue pelo caminho comum do retrato do Alzheimer ao evitar dar para John uma sobrecarga de desespero pela perda do homem intelectual que um dia foi. Muito pelo contrário, ele faz com que o senhor aproveite cada momento que revive do passado com jovialidade. Em certo ponto, não reconhece a mulher por achar que estão na juventude. Ao invés de estar assustado, ele demonstra toda a simpatia possível.
Mesmo quando ela não consegue se segurar e reclama porque ele roubou o marido dela, ele reconhece com um suspiro rápido que a doença também o roubou dele. É fundamental para que o filme não siga o caminho do melodrama fácil que quer fazer o espectador chorar a qualquer custo.
Por outro lado, Virzì não sabe comandar as cenas com o pensamento na montagem. Muitos dos cortes quebram a lógica espacial e, em diversos momentos, é possível notar que a expressão de um outro personagem não é a mesma em ângulos diferentes. Sem contar que diversas cenas parecem cortadas no meio de diálogos importantes ou começam da mesma forma, sem nenhuma preocupação com ambientação.
No entanto, ele conduz bem para dar destaque às excelentes interpretações de Mirren e Sutherland e para criar uma sensação de naturalidade. Como se a câmera apenas assistisse afastada a vida desses dois se desenrolar, ele deixa espaço nas cenas para conseguir capturar todas as atuações.
O resultado é um filme que mistura os sentimentos que quer passar com naturalidade. É triste, belo e divertido ao mesmo tempo. Uma combinação que não é fácil de atingir em nenhuma arte. Infelizmente, aqui é conseguido apenas com o texto e com os atores. Seria mais impactante com uma direção mais expressiva, o que não impede a produção de ser maravilhosa.