“Realismo é uma palavra ruim. De certa forma, tudo é realista. Não vejo uma linha entre o imaginário e o real”, dizem os créditos iniciais deste misto de aventura de mulher jovem que se descobre com homenagem ao diretor Federico Fellini. A citação do homenageado parece abraçar a ideia de que um filme não precisa ser verossímil para construir algo real.
Ainda mais quando os segundos títulos anunciam que a jornada pessoal de Lucy (Ksenia Solo) é inspirada em fatos quase reais. Criada até os 20 anos por Claire (Maria Bello), uma mãe superprotetora, a garota não sabe conviver socialmente e não entende completamente como a parte cruel do mundo funciona. O que se torna um obstáculo complicado quando ela decide partir para a Itália atrás de Federico Fellini depois de se apaixonar pelos filmes dele.
Como a história se passa em 1993, ano em que o diretor morreu, e está cheia de referências à obra dele como personagens chamados Guido, falas de filmes repetidas à exaustão e muitas camadas de filosofia escondidas em diálogos, é fácil ver que se trata mesmo de uma homenagem. Mas uma que segue uma linguagem e uma estética completamente diferente do que seria adequado a Fellini.
De fato, toda a estrutura técnica da produção reflete a ideia de que se trata de uma realidade fantástica. Principalmente a fotografia, que estoura a entrada de luz, o que faz com que o filme tenha uma aparência de uma camada de véu. Como se a história fosse contada em um universo mágico. Ainda mais quando a iluminação várias vezes está presente nas cenas internas, como nas janelas da casa de Claire. Assim, o mundo exterior parece uma grande verdade a ser descoberta.
O diretor de fotografia Kevin Garrison, em seu debute em longa metragens, também usa cores para indicar os caminhos de Lucy. Quando as coisas estão bem em casa e ela sai com a mãe, a iluminação é dourada e contra luzes criam uma áurea divina nas personagens. Mas quando a protagonista parte na jornada e a mãe, doente, tenta entender os objetivos ao assistir filmes de Fellini, os tons mudam para azul. A casa é terna e convidativa para ela se tudo estiver bem, mas passa a ser fria por faltar algo mais tarde.
Além disso, Garrison e o diretor (também estreante em longas) Taron Lexton escolhem criar focos com muita profundidade. Assim, o olhar do espectador fica preso ao que Lucy presta atenção. A visão inocente dela é o que se destaca sempre. Ainda realça a sensação de um véu na imagem e cria cenas lindíssimas.
Esse tom de fantasia representa uma realidade, por mais que não seja verossímil. Essa dicotomia é parte da graça do filme. Porém, é quase uma leitura errada da obra de Fellini. Como o roteiro de Nancy Cartwright e Peter Kjenaas toma base também em Alice no País das Maravilhas para construir a estrutura da jornada de Lucy, ele cria uma sensação de que se vê algo como uma queda de uma garota através do buraco de coelho de Fellini.
Apesar de ter um resultado belo, as andanças da personagem por Verona, Veneza e Roma rapidamente geram uma fadiga. Em grande parte porque ela parece sem rumo e sem objetivo. Numa hora se apaixona, na outra é perseguida depois de fugir de uma orgia. Tudo repleto de referências a Fellini, mas sem seguir o estilo dele. E sem as grandes qualidades que fizeram a obra tão memorável e reverenciada.
O resultado é um gosto amargo na boca. Para o filme que se propõe a ser, Em Busca de Fellini tem muitos problemas de roteiro, mas tem uma ótima ambientação de aventura. Quando se trata de uma homenagem a Fellini, porém, é apenas um erro. Piora ainda mais ao levantar a visão de estadunidenses sobre o cinema europeu.
Existem várias cenas da mãe e da tia de Lucy (Mary Lynn Rajskub, sempre ótima) com leituras simplistas e equivocadas dos filmes de Fellini. É uma simplificação de uma obra muito mais complexa do que a homenagem apresenta. A ironia é que as análises reducionistas das duas valeriam para a produção de que fazem parte.