Muitos dizem que Tubarão é o primeiro e único filme de monstros de Steven Spielberg, mas anos antes do peixe assassino, o diretor fez com que um caminhão aterrorizasse um pobre homem comum.
David Mann viaja de carro para uma entrevista de emprego em outra cidade. Na estrada, um caminhão o ultrapassa e brinca um pouco com ele ao frear levemente em sua frente. Na brincadeira, David passa na frente do caminhão duas vezes e o deixa para trás. O caminhoneiro não deixa a derrota passar em branco e começa a tentar matar David com seu automóvel.
David. Era para ser um dia normal.
O lendário escritor de ficção-científica e terror, Richard Matheson, adapta seu próprio conto para um roteiro enxuto e simples. David cruza com este caminhão na pista, o caminhão demonstra suas intenções e o protagonista tem que sobreviver a diversas situações tensas e inusitadas. O brilhantismo do texto se encontra na falta de repetição. Apesar de ser uma perseguição entre um carro e um caminhão em uma mesma estrada, cada vez que os dois se encontram é em um contexto diferente. Numa hora David fica preso entre ele e um trem, noutra o caminhão surge na beira da estrada desafiando David a passar por ele antes que ele o feche.
Spielberg nunca revela o rosto do caminhoneiro. Dá uma impessoalidade à máquina e transforma o veículo em uma espécie de animal monstruoso. A partir de certo ponto da trama, filma os faróis como se fossem os olhos, as rodas de ângulos baixos se aproximando da câmera criam a sensação de perigo e imponência. Quando o caminhão persegue David, ele preenche todo o espaço do retrovisor, se agigantando sobre ele.
Para criar a tensão e trabalhar o suspense, Spielberg filma os espaços com movimentos de câmera sem cortes entre o carro e o caminhão nas cenas de ação. Assim, o espectador vê a distância e sente o perigo da proximidade. Quando constrói as cenas e situações, coloca uma câmera em um ângulo que coloca um espaço da estrada em segundo plano, com a expectativa de que o caminhão vai aparecer. Então ele corta, desenvolve a situação em outro ângulo até que o corte volta para o ângulo anterior e o caminhão está lá. Não precisa de barulhos repentinos para assustar. Só de vê-lo ali já se tem a noção de seu perigo. O espectador sabe onde no espaço está cada objeto e não se perde com nenhuma das ações que ocorrem.
Próximo ao final, o título original do filme se faz valer. Duel significa Duelo e é justamente como Spielberg filma a última vez em que David e o caminhão se encaram antes da última corrida. As lentes são extremamente abertas e próximas a eles. As câmeras estão levemente tortas. Faz com que exista uma distância entre os dois que ambos querem percorrer para se enfrentar. Os dois se odeiam e sabem que ali é o momento em que vão se confrontar pela última vez. O filme inteiro serve a este momento, o duelo final. Tal qual um faroeste.
Destaque para uma cena filmada em plano sequência na qual se tem a noção de que David está seguro para que essa sensação seja estilhaçada com um último movimento de câmera. É desesperador e frustrante.
A trilha musical remete diretamente à música de Psicose, com seus violinos nervosos. Ela trabalha em conjunto com um grande trabalho de som com o caminhão. Seu som é inconfundível e muitas vezes soa antes de sua aparição, anunciando sua presença.
O desconhecido Dennis Weaver, que interpreta David, se esforça ao máximo, mas é um ator muito limitado. Quando ele se desespera ou grita emocionado, parece falso. Mas isso não importa porque o verdadeiro ator principal do filme é o caminhão. Sujo, grande, barulhento, cinza e marrom. Poucas coisas são discerníveis por baixo de seu visual sujo. Uma delas é a palavra inflamável, o que já indica sua instabilidade. Ele é imprevisível e perigoso.
Encurralado foi a grande chance de Spielberg como diretor. Ele se esforçou ao máximo para fazer uma boa ambientação e o resultado é um filme feito para a TV que se tornou fenômeno surpresa nos Estados Unidos. Merece ser descoberto pelo espectador atual.
GERÔNIMOOOOOOOO…