Entre Nós é um filme cujas aparências enganam. Ver os nomes Caio Blat, Carolina Dieckman e Paulo Vilhena em uma produção de uma tal de Globo Filmes pode dar a impressão errada. Mas trata-se de um filme inspirado em obras como As Invasões Bárbaras, com um tom bastante pesado e pessoal. Sem a comédia pastelão típica da produtora/distribuidora.
Grupo de amigos se reencontra para abrir uma caixa onde escreveram suas expectativas de vida uma década antes. A morte de um deles mudou suas vidas e os caminhos que estavam seguindo. Durante a reunião começam a chocar mágoas e questões deixadas em aberto.
São muitas perguntas complexas sobre a vida. O que se espera do futuro? O que acontece de verdade? O que faz com que alguns tenham sucesso e outros conheçam apenas o fracasso? É importante levar em conta que não há resposta correta para essas perguntas. Às vezes, o que alguém acredita simplesmente choca de frente com o que outra pessoa pensa.
O filme começa em 1992, com todos os personagens jovens, planejando virar escritores. Um deles em específico, Rafael, possui talento para o negócio. O convívio evoca um clima bucólico. É a típica vida boêmia, com um grupo de intelectuais discutindo literatura com espaços entre os diálogos regado a sexo, bebidas e drogas.
Rafael e Felipe, os dois mais próximos de conseguir terminar seus livros, se juntam no carro para comprar mais bebidas. O estado alcoólico de Rafael vai conduzi-los para a fatalidade. Na reunião, dez anos depois, cada um tem seu drama pessoal relacionado direta ou indiretamente com o convívio passado do grupo.
Felipe virou um escritor famoso, mas tem um segredo terrível que o está consumindo aos poucos. Lucia, sua esposa, está começando a se dar conta do que é esse segredo. Gus está em depressão por conta de diversos fracassos – dentre os quais, ter perdido a Lucia para Felipe. Drica e Cazé, o casal que se manteve unido desde a juventude, estão sofrendo um choque porque ele não quer ter filhos e ela sim. Silvana sente falta de Rafael e da relação que mantinha com ele e Felipe.
Daí surgem os atritos. O segredo de Felipe pode ser sua ruína e do grupo como um todo. O personagem muda do figurino claro e leve para roupas mais fechadas e escuras. O rosto limpo ganha barbas fechadas e espessas com o uso frequente de óculos escuros. A indumentária reflete a natureza de quem está tentando se esconder de todos ao seu redor.
Para mostrar o contraste entre as duas épocas, Paulo Morelli – diretor do filme – reflete os momentos do grupo através da luz e de pequenos detalhes da direção de arte. No começo, em 1992, o ambiente está intocado e convidativo, os enquadramentos colocam os atores próximos uns dos outros. Na reunião, em 2002, todos parecem sentir um frio estranho, os tons dos figurinos são mais escuros, as árvores já não são mais tão verdes e as colinas estão marcadas por cortes de estradas e caminhos.
Morelli permite que os atores revelem os problemas dos personagens através de pequenos momentos de interpretação. Seja o cigarro de Felipe tremendo sempre que ele fuma, seja o nervosismo de Gus sempre que ele sente que está errando alguma coisa ou no pouco a pouco em que Lucia vai se afastando fisica e emocionalmente do marido.
Para dar destaque a esses momentos, a fotografia joga sombra sobre os atores quando eles não dizem todas as mágoas ou culpas. Quando estão em momentos de interação positiva, a câmera usa enquadramentos fechados e movimentados. Quando os choques acontecem, a câmera fica estática e afastada colocando os cenários entre eles.
O casting é formidável. Colocar o Caio Blat, que é dono de uma antipatia assustadora, como o homem cansado de carregar um peso nas costas é mais do que adequado. O Júlio Andrade é um ator excelente e consegue transmitir todo o orgulho e a ostentação intelectual de seu personagem. A Carolina Dieckman serve bem a uma personagem que está, acima de tudo, confusa. O Paulo Vilhena está excelente com sua tristeza e nervosismo, conferindo a Gus empatia suficiente para chegar a roubar o foco do filme.
Mas quem realmente brilha são os atores Lee Taylor e Maria Ribeiro. Ele faz uma participação curta como Rafael, mas é tão humano e tão forte em cena que é possível sentir sua presença entre aquelas pessoas mesmo quando ele sai da narrativa. Ela é, talvez, a personagem mais rica da trama. Abertamente bissexual, era quem tinha mais proximidade de Rafael e é quem lembra dele com mais carinho. Não tem filho por conta de sua orientação sexual, mas é bastante segura com a vida que levou. A atriz representa essa segurança muito bem mostrando com poucos detalhes os problemas que podem ou não estar escondidos sob a superfície.
Entre Nós é uma surpresa bem vinda. Paulo Morelli dirige o filme com muita eficácia e sutileza. Todos os elementos do filme tem importância. A fotografia é linda e captura aqueles ambientes com beleza e significado. Não é o típico filme comercial da Globo, graças às deusas. É, muito pelo contrário, um filme intimista sobre questões pessoais complexas das relações humanas.
GERÔNIMOOOOOOOO…
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