Crítica de Deborah Novais e Vinícius Brandão
No ano 2000, uma série entrou timidamente na programação da CW. Com um fiapo de trama, a criadora Amy Sherman-Palladino conseguiu construir um aglomerado de personagens complexos, cujos conflitos são comuns a todo mundo. Mas o verdadeiro diferencial é que os diálogos são bons e nenhum personagem está completamente certo ou errado quando ocorre discussão. Agora, depois de 16 anos, saiu a última temporada para dar um ponto final esperado há muito tempo.
Nove anos se passaram desde que deixamos de acompanhar a vida em Stars Hollow, mas nem tanta coisa mudou por lá. Rory agora trabalha como freelancer e viaja pelo mundo na tentativa de veicular os artigos que escreve. Vez ou outra, faz uma visita à cidade em que cresceu. Lorelai, agora em um relacionamento duradouro com Luke, ainda administra a Dragonfly Inn. Já Emily tem de aprender a lidar com uma vida sem o companheiro de 50 anos, Richard, que faleceu.
A história da nova temporada acontece no período de um ano. Cada episódio, com duração equivalente a dois capítulos da série, passa durante uma estação. O primeiro ocorre no inverno, seguido respectivamente de primavera, verão e outono.
Durante o inverno, Rory faz uma visita a Stars Hollow, e o público acompanha a vida de viúva da Emily (com direito à cena do velório de Richard) e o início do questionamento de Lorelai acerca da própria vida. Na primavera, Rory lida com uma nova proposta de trabalho na Inglaterra, enquanto a avó e a mãe passam a fazer terapia juntas. No verão, a jornalista está de volta a Stars Hollow e tenta salvar o jornal de lá; no meio tempo, a administradora da Dragonfly Inn ajuda na produção de um musical sobre a cidade. Já no último episódio, que passa no período do outono, Lorelai parte para a natureza em uma jornada de auto compreensão.
A ideia aqui é dar uma conclusão. Quando Gilmore girls chegou à sétima temporada, Sherman-Palladino estava afastada e o padrão de qualidade caiu muito. O final da série era quase uma tragédia. Nenhum dos conflitos foi resolvido. Tramas paralelas ficaram pela metade, e a impressão de quero mais foi forte. Um Ano para Recordar tem duas missões especiais: dar um final merecedor para os fãs e voltar ao nível das primeiras temporadas.
Apesar de acertar o tom da maioria dos personagens no revival, alguns sofrem por ter aparição obrigatória. Eles foram “jogados” nos episódios, às vezes de forma previsível, sem muito desenvolvimento. Exemplos disso são o Dean, a Sookie, o Jackson e a Patty. Destes, a pior aparição foi a da Sookie. A atriz Melissa McCarthy, ao contrário das atuações da grande maioria dos atores, não conseguiu se encaixar novamente no papel da chef, que não interpretava há nove anos. Outro problema foram os casos de Sophie e Gypsy, por exemplo, que tiveram atitudes não condizentes com as personalidades delas, bem conhecidas por quem assistia Gilmore girls, por mais que as interpretações tenham sido no nível certo.
O fim do programa apresenta não um ponto final, mas reticências. Não é um fim, mas talvez um novo começo. O que sugere duas possibilidades: ou Um Ano para Recordar terá continuação em outra temporada ou o fechamento representa uma ideia de ciclo. O primeiro é muito interessante, porque os aspectos que podem ser apresentados são curiosos, principalmente no que se trata da Rory. Ela ainda pode desenvolver e ficar mais interessante.
Por outro lado, se for cíclico, há uma forte impressão de punição para mulheres que escolhem não casar ou seguir carreira profissional. Mas falar muito mais que isso é dar spoiler. Assista e reflita sobre como a série apresenta essas questões. Especialmente com a conclusão.
O ator Edward Herrmann – intérprete de Richard – faleceu eu 2014, devido a complicações ocasionadas por um câncer cerebral. Portanto, a morte também foi o fim escolhido para o personagem na série. No entanto, mesmo com a ausência do patriarca Gilmore, ele ainda se faz presente em Um Ano para Recordar. As histórias contadas pela viúva Emily e pela filha Lorelai – além da pintura de enormes proporções com um retrato dele, pendurada na parede da casa do casal – são emocionantes e fazem com que ele continue vivo no imaginário do público.
Há uma mudança fundamental na forma como Emily é apresentada aqui. Durante a série, era demonstrado que ela cuidava da casa para o esposo, e o esmero com o imóvel representava esse carinho. Tanto que havia uma sub-trama em que a personagem constantemente demitia empregadas que não a satisfaziam. Aqui, ela contrata por acidente uma mulher latina cuja língua não consegue identificar e, junto com ela, dezenas de pessoas que se mudam para a mansão. Ao contrário do que acontecia no seriado, ela não faz questão de expulsá-los. O número de pessoas com quem convive aumenta aos poucos, o que vira uma piada recorrente muito engraçada e dá significância para a transformação sofrida.