Há algo de charmoso e atemporal na Família Addams. Pai, mãe, filho, filha, avó, tio, mordomo e mãozinha formam um grupo que existe há décadas no imaginário popular. Em tom gótico e cadavérico, eles gostam de sentir dor, aplicar dor, criaturas macabras, brincar com facas, espadas, explosivos e objetos de tortura. É quase como uma equipe de monstros, mas também um reflexo das relações dentro de uma das primeiras instituições às quais a maioria das pessoas são expostas: a unidade familiar.
É por isso que, quando o pântano ao redor da mansão Addams é drenado, a neblina dispersa e eles descobrem que vivem no meio de uma área residencial típica dos sonhos americanos, com jardins floridos e paredes coloridas. O que desperta a atenção da adolescente Vandinha (Chloe Moretz na dublagem estadunidense), que está entediada com os perigos “seguros” da casa em que vive. Ao mesmo tempo, uma reunião Addams ocorrerá para celebrar a Mazurca, ritual de passagem para Feioso (Finn Wolfhard).
Apesar de todas as esquisitices, o filme faz questão de ressaltar justamente o que faz dos personagens tão interessantes: o fato de que eles são apenas uma família. Eles jogam facas uns nos outros, brincam de tortura e ferimento, mas todos se divertem juntos. Na verdade, quando têm problemas, eles surgem de conflitos comuns entre parentes.
Assim, os roteiristas Matt Lieberman e Pamela Pettler fazem questão de criar contrastes entre as relações entre os Addams e a relação entre os vizinhos “normais”. Os cidadãos que vivem ao redor da mansão se escondem em redes sociais e celulares, gostam de fofocar e vigiar uns aos outros e escondem coisas rotineiras que poderiam causar vergonha se mal vistas. Enquanto os protagonistas dedicam atenção quase total ao bom convívio entre eles.
O choque é ainda maior com a proprietária dos lotes, Margaux Needler (Allison Janney), que vigia todos os lotes com câmeras escondidas, controla as notícias falsas nas redes sociais e tenta manipular a comunidade para que todos se adequem aos padrões que ela estabeleceu. É quase óbvio, mas sustenta o que faz dos Addams interessantes, a reflexão social sobre as expectativas da vida em família.
O filme também ganha muito com o trabalho de design da equipe de animação, que enche o filme com detalhes mórbidos que garantem um atrativo para que as crianças encontrem coisas novas a cada vez que assistirem de novo. Desde as tranças com forma de forca nos cabelos de Vandinha, até o cuidado com formas nos cômodos da casa, que se assemelham a caixões. Isso sem falar nas formas dos personagens, que seguem os traços originais de Charles Addams, criador dos quadrinhos.
O mesmo primor técnico, porém, não está na condução da animação. Se os diretores Craig Tiernan e Conrad Vernon demonstram carinho pelo material original, também não têm domínio sobre ritmo de cena. Como animações podem ter movimentos inumanos e permitem cenas de ação e de comédia aceleradíssimas, eles muitas vezes perdem o tempo correto para entregar piadas com frequência. Ao mesmo tempo, momentos de perigo parecem artificiais e falsos por conta de como tudo está além da realidade de como pessoas se movem.
Além disso, o recurso torna comum que o espectador se perca entre cenas. É um defeito que ocorre com frequência em estúdios de animação iniciantes, e é o que acontece aqui com um estúdio pequeno comprado pela MGM de última hora para a produção do longa. Muito disso é realçado com a dublagem brasileira. Como sempre, o trabalho dos dubladores é primoroso, mas a mixagem parece abafar sons e ruídos em situações estranhas. Um exemplo é quando a vilã usa um megafone e o som do aparelho fica mais baixo que o da voz normal da atriz.
Mesmo com defeitos tão comuns, o charme da Família Addams e o carinho dos realizadores se destaca. Não tem a qualidade técnica para ser chamado de um grande filme, ou uma grande conquista da arte, mas é suficiente para animar a criançada. E ainda tem a vantagem de reavivar personagens tão singulares e interessantes na lembrança das pessoas.