Não é preciso ser um gênio para notar os problemas dos Estados Unidos nos últimos 100 anos de história das relações do país com o resto do mundo. Basta prestar atenção em como um misto de paranoia e ganância geraram ruínas em praticamente todo o mundo. Não surpreende que existam tantas críticas ao pensamento “americano”.
Este Feito na América parece outra coisa. Ainda mais quando conta a história real do piloto Barry Seal (Tom Cruise), que é descoberto pelo agente da CIA Schafer (Domhnall Gleeson) ao traficar charutos cubanos em voos comerciais. Ele é recrutado pela agência para fazer negócios ilegais na Nicarágua, mas se torna peça fundamental entre jogos de poder do cartel de Mendellín, de guerrilheiros e de várias forças policiais dos Estados Unidos.
É fácil achar, pelo estilo rápido somado à trama do criminoso simpático que busca uma vida fora do padrão, que o filme é como Prenda-me se For Capaz ou até o brasileiro VIPs, mas Feito na América se propõe a ser um pouco mais. Ele aproveita o drama “divertido” de Seal e o usa para mostrar justamente os defeitos e hipocrisias por trás do país de origem do protagonista.
Doug Liman e Gary Spinelly, diretor e roteirista respectivamente, seguem a cartilha dessas biografias à risca: introdução sobre homem de classe média simpático e entediado com a vida comum; uma oportunidade rápida de usar as habilidades sociais para sair da rotina e ganhar muito mais dinheiro; e a descoberta lenta de que cometeu muitos erros.
Mas, mesmo seguindo uma estrutura já estabelecida, eles sabem colocar estilo na trama. O filme é contado pelo próprio Seal em fitas de vídeo cassete que ele supostamente gravou entre 1985 e 1986. Ele aparece em cena por meio de imagens do estilo e a voz dele explica diversos momentos. O voice-over na maioria das vezes não repete no áudio o que o espectador vê na tela, mas complementa com humor.
Em especial em cenas com montagem acelerada. Em certo ponto, quando Seal é abordado pelos traficantes na primeira vez, Liman e Spinelly constroem um suspense com a dúvida sobre quem são esses desconhecidos. Mais tarde, quando a cena termina e o protagonista compreende o que pode ganhar se aceitar traficar cocaína para os Estados Unidos, o voice-over explica o contexto do tráfico na Colômbia no momento. Assim, o espectador compreende tudo sem que o filme se repita.
Mas os realizadores também pecam com o recurso, como em uma reunião em que Seal se encontra com um grupo de oficiais na Casa Branca. Ao invés de deixar que o diálogo cômico da cena explique as intenções dos personagens, a narração de fundo detalha os objetivos de cada um.
Para deixar essas narrações mais dinâmicas, Liman usa uma montagem acelerada com imagens de arquivo da época (o que já indica um bom trabalho de pesquisa para a realização) de forma irônica. Como colocar o então presidente Ronald Reagan em entrevistas de TV com comentários contra as drogas ou as guerrilhas enquanto a voz de Seal explica como o governo estadunidense patrocinou os dois.
Para acrescentar ao estilo da narrativa em videotape, Liman e o diretor de fotografia César Charlone estouram a iluminação, aumentam a saturação de cores e perdem o foco da ação momentaneamente. O resultado é uma imagem com tons berrantes que condizem com a captura típica da década de 1980. É como se o filme inteiro fosse a lembrança em vídeo cassete de Seal, enquanto ele se abre para uma filmadora da tecnologia.
As cores berrantes condizem com a montagem e a narração em voz de fundo para criar o ritmo dinâmico do filme. O que também é importante para a forma como as cenas são conduzidas. Liman coloca a câmera tremida em ângulos baixos e escondida pelo cenário. É uma linguagem documental normalmente usada para aumentar a sensação de realismo, mas aqui serve à estética, como se alguém da família filmasse os eventos de forma casual.
Já Spinelly cria diálogos divertidos em situações inusitadas que fazem com que as cenas tenham suspense ou comédia. Como no já citado momento em que Seal conhece os traficantes, porque existe uma expectativa de que eles pretendam matá-lo. Assim como em uma hilária conversa sobre como o cachorro de Seal encontrou uma das malas de dinheiro escondidas no quintal da casa dele.
Cruise é uma escolha inteligente para o papel porque Seal requer um ator capaz de exprimir empatia com um sorriso sincero ao mesmo tempo em que o personagem nunca parece realmente fazer escolhas. Ele é ameaçado com prisão, então aceita trabalhar para a CIA, depois é ameaçado de morte e começa a traficar. Essa mesma falta de ação condiz com o olhar do ator, que parece apenas estar interessado no que ele pode ganhar no momento sem perceber o dano futuro dos erros que comete.
Com tantos acertos técnicos e narrativos, Feito na América poderia muito bem ser lembrado como mais um bom drama biográfico de pessoas comuns que se perdem em vida de crime. Mas ele aproveita a ironia divertida da história para criticar os fundamentos dos Estados Unidos por meio do humor. É impossível não rir da cena em que um pesadelo de jurisdição ocorre quando várias autoridades prendem Seal ao mesmo tempo.