Postado em: Reviews

Festim Diabólico

Rope-2
Festim Diabólico é um marco na carreira do Hitchcock por diversos motivos. Foi seu primeiro filme colorido, seu primeiro filme como produtor e também foi sua tentativa de fazer uma narrativa contínua, simulando um único plano em uma história que se passa das 19h30 às 21h15. Por todas essas razões, foi um enorme desafio técnico.

Dois homens matam um terceiro. Escondem o corpo dentro de um baú no apartamento, onde deverá ficar até o final de uma festa com amigos e conhecidos deles e da vítima. A festa constitui o álibi ideal para que não sejam suspeitos do desaparecimento. Afinal de contas, as pessoas relacionadas a vítima poderão testemunhar que os dois estavam com eles durante a festa.
Não é preciso muito tempo para que se note a referência a Crime e Castigo. Os dois assassinos estão tentando comprovar uma teoria. Indivíduos de maior inteligência e com mais destaque social possuem o direito de matar pessoas ignorantes que mais ocupam espaço do que ajudam a civilização. A inteligência lhes daria a capacidade de estar acima da moral das pessoas das castas inferiores.

Adivinha embaixo de qual pano está escondido o corpo.
Adivinha embaixo de qual pano está escondido o corpo.

Os questionamentos são os mesmos que Dostoiévski imprimiu a Raskólnikov. Tanto o é que no meio do filme um dos assassinos questiona se estão no livro. A conclusão é um pouco diferente, mas a influência é clara.
Por se tratar de uma transição do preto e branco para o colorido, Hitchcock testemunhou seu diretor de fotografia se afastar do filme com as dificuldades. O diretor teve que reaprender as técnicas junto do eletricista. Fica ainda mais difícil quando se trata de um filme com plano contínuo em um ambiente fechado.
Para conseguir iluminar os personagens de forma diferente em posições diferentes era preciso que as luzes se movessem pelo cenário junto com os atores e a câmera, mudando de cor e de intensidade. Piora com o fato de que a história começa de dia e termina de noite. Ou seja a incidência da enorme janela do cenário altera do natural para o artifícial.
Para realizar um plano contínuo, o diretor precisou quebrar o filme em rolos de aproximadamente doze minutos. Na época, os rolos de filme duravam aproximadamente esse tempo. Então Hitchcock colocou a câmera encaixando o enquadramento com cuidado atrás do corpo de algum ator. Cada rolo termina assim e o próximo começa do mesmo lugar.
Ou seja, cada vez que Hitchcock falava ação, eram doze minutos de atores, cenário, luzes, equipe e câmera se movendo de um lado para o outro. Como ele mesmo assumiu para o Truffaut, era improvável ter mais de um plano finalizado a cada dia. Foram dezoito dias de filmagem, dos quais seis não tiveram nenhum rolo final aproveitável. Isso com mais dez dias de ensaio e outros nove de refilmagem.
Hitchcock com seu elenco no cenário. Desafio de produção.
Hitchcock com seu elenco no cenário. Desafio de produção.

Refilmagem de cinco rolos do zero porque a iluminação ficou ruim neles durante a filmagem anterior. Foi criado um assoalho especial para que os móveis e as paredes saíssem do caminho da câmera para que certos enquadramentos específicos fossem realizados.
Com um falso plano contínuo, Hitchcock precisou decupar a história através de movimentação, sem pensar em cortes. O fez com muito talento. Aqui a revelação de um item importante, ali duas letras em um chapéu. Tudo isso através de três cômodos no apartamento.
Os dois assassinos deixam algumas pistas visíveis para que a ironia de sua festa seja maior. O assassinado era uma ponta de um triângulo amoroso, eles então convidam as outras pontas. Durante o filme ficam provocando os dois com a ideia de que David, a vítima, não vai mais interromper o relacionamento.
James Stewart é o professor do grupo. Cínico e inteligente, percebe imediatamente que tem alguma coisa errada com seus dois pupilos. Vira um jogo de culpa, suspeita e muito suspense.
Obra importantíssima da carreira do diretor clássico. Interessantíssimo de se ver. Tanto por motivos técnicos, narrativos e pela discussão moral.
 
FANTASTIC…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *