Os adjetivos mais utilizados após o término de Foxcatcher entre os presentes foram estranho e bizarro. Se o filme possui essas características, se dá por um bom motivo. O fato real é esquisito. A ironia é que tanta bizarrice conjunta resulta numa obra que se aproxima mais do verossímil e, justamente por isso, do assustador.
Mark Schultz (Tatum) foi campeão de luta olímpica nas olimpíadas de 1984. Nas vésperas dos próximos jogos olímpicos, ele recebe o convite do herdeiro milionário John E. du Pont (Carell) para treinar em sua propriedade com mais condições do que recebe do governo. O irmão mais velho, e também campeão olímpico, de Shultz, David (Ruffalo), eventualmente também entra na equipe e as relações entre os três começam a ficar turbulentas. O filme se inspira em um terrível evento que aconteceu de verdade no ano de 1996. Um fato que beira o inexplicável. A intenção aqui é justamente desvendar o que levou a esta ocasião. Porque aquela pessoa faria o que fez naquelas circunstâncias.
Para isso, o roteiro usa de estratégias muito inteligentes. Ele precisa desvendar a psique dos três envolvidos e o faz através de pequenas colocações na narrativa. Mark vai para uma escola fazer uma palestra onde fala sobre disciplina e esforço. Quando vai ser pago, é confundido com o irmão. Basta este momento para que fique claro que Mark leva certos valores muito a sério, que ele tem dificuldades de relações sociais e que vive sob a sombra da fama do irmão. O que talvez incomode algumas pessoas, apesar de não ser realmente um defeito, é que esse tipo de narrativa faz com que o filme seja lento. E Foxcatcher é lento pra caramba, mas ele se declara devagar desde o começo. O ritmo dele é constante até o final e, uma vez que o espectador se envolve nele, não fica cansado.
Mark e David. Relação complexa.
O que também é mérito do diretor Bennett Miller. Ele passa o primeiro ato e parte do segundo sem trilha musical. As músicas começam quando Mark se envolve com o treinamento e parece, pela primeira vez no filme, feliz. Por isso mesmo, nessa parte, a música é grandiosa. Ela reflete os valores que Mark acredita representar. Deixar grande parte do filme sem a trilha e com takes longuíssimos de Mark e David treinando é essencial para assumir esta lentidão. Miller acerta além disso ao representar na coreografia dessa mesma cena de treino a tensão entre os irmãos com a desconcentração de Mark e um excesso de brutalidade. O grande acerto de Miller, porém, se encontra na representação de du Pont. Ele e Mark desenvolvem uma forte amizade, mas Miller sempre deixa um clima de tensão no ar. Em parte por serem dois homens com sérios problemas de interação, mas também porque o diretor faz com que as entradas de cada em cena beire o fantasmagórico e as posturas deles nos enquadramentos sempre pareçam distorcidas.
Aí entram também as importantíssimas interpretações do trio de protagonistas. Os três usam maquiagens que deixam seus rostos próximos do irreconhecível, os aproximam dos homens reais e também cria uma sensação de esquisitice entre eles. Channing Tatum alterou sua forma física, apesar de não ficar tão maior do que ele geralmente já é. Ele é a face da inadequação, com demonstrações sutis de incômodo através de pequenos suspiros e viradas de rosto quando está desconfortável e não gosta de algo que ocorreu.
Os atores sem as maquiagens. Grandes interpretações.
Steve Carell rouba toda a atenção quando está em cena. O ator normalmente em boa forma abre mão do físico habitual para engordar bastante e usar maquiagem que o faz parecer muito mais velho do que realmente é. Ele usa uma prótese que projeta os dentes superiores para a frente. Se não fosse o suficiente para criar a esquisitice do personagem, o ator usa o recurso para deixar a boca constantemente aberta com dentes a mostra e faz sons de respiração forte. Além disso, o nariz também projetado pela maquiagem o deixa parecido com uma ave de rapina, que o diretor nunca deixa de filmar de perfil com a intenção de criar essa impressão. O John du Pont de Carell é como um predador constantemente observando a presa. Não seria surpresa se ganhasse o Oscar.
Mark Ruffalo também mudou o físico e ficou muito mais forte, com porte de um lutador olímpico. Os cabelos raspados nos pontos certos e a nova estrutura não impedem de reconhecer o ator, como quase ocorre com os outros dois protagonistas. Pode parecer que ele está pior por isso, mas é proposital. David é o único dentre os três que se adequa ao comportamento comum. Ele não se concentra constantemente nas lutas e não acha que existe uma honra maior nas medalhas e nos valores americanos. Ele apenas vive bem e justamente por isso ele é um lutador melhor que o irmão.
Foxcatcher é um filme difícil. O ritmo é lento e a ambientação é esquisita. Mas é tudo importante para que a experiência seja adequada. Ao final, não há certeza sobre os motivos para o que acontece no final, mas há pistas de sobra. Recomendo fortemente não pesquisar para saber o que ocorreu antes de assistir ao filme.
ALLONS-YYYYYYYYY…
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