Relações familiares são alguns dos temas mais fortes pela enorme complexidade de como as vidas podem se entrelaçar. Justamente por isso, também são extremamente difíceis de retratar. Pequenas frases podem retratar o alívio e a alegria que falta a alguém, assim como podem desencadear rancores e ressentimentos que nunca terão fim. Justamente por isso, Frankie chama a atenção.
A personagem que dá nome ao filme é Françoise Crémont (Isabelle Huppert), uma atriz famosa e veterana que chama a família para uma viagem até Sintra, em Portugal, para que estejam todos reunidos uma última vez antes da morte iminente dela para o câncer. Eles passeiam individualmente pela cidade durante um dia até um passeio planejado para o pôr-do-Sol e se encontram ocasionalmente antes da hora planejada.
Achar uma sinopse é difícil porque Frankie não é um filme de trama comum. Não há começo, meio e fim. É apenas um amontoado de diálogos entre conhecidos no decorrer de um dia. Mas também é muito mais por isso. Ira Sachs, diretor e corroteirista, extrai de cada conversa o quanto as relações entre aquelas pessoas são complicadas sem deixar que nenhuma seja entediante.
Ele, junto com o parceiro de roteiro Mauricio Zacharias, coloca humor exatamente nos elementos mais complicados. É compreendido que Sylvia (Vinette Robinson), a filha que veio junto com o segundo marido, não está em uma situação financeira boa. Quando ela encontra com Frankie, porém, não conta para a mãe sobre as condições. Mais tarde, quando a mãe está sozinha com o filho biológico, Paul (Jérémie Renier), mesmo ciente de que ele está com renda estável, ela faz questão de esconder para ele uma pulseira de 40 mil euros para que não haja imposto de herança.
Por meio das ações dos três personagens, Sachs diz muito sobre eles, e sobre como foi a vida entre eles até ali. Frankie claramente tem preferência pelo filho biológico, mas não o conhece bem suficiente para saber como está a vida dele. Ao mesmo tempo, ignora a filha que foi forçada a adotar, mas que precisa muito mais dela. Então, ela não entende o desprezo dele ao ver a pulseira, e não percebe a admiração de Sylvia quando nota pela primeira vez.
Ao mesmo tempo em que este momento envolve uma ação com consequências sérias, é impossível não rir dessa ignorância entre o que o outro passa. Em grande parte porque é algo com que qualquer um pode se identificar na vida familiar. Talvez até reconhecer o comportamento de uma tia ou conhecida. Essa incapacidade de aprofundar certas intimidades também demonstra rancores e ressentimentos antigos, que nascem de carinhos e do convívio longo.
Ciente de que precisa dar espaço para que essas conversas soem naturais, Sachs brinca com a movimentação dos atores nos cenários de Sintra. A câmera estática os captura enquanto caminham para se aproximar, ou se afastam. Nesse vai e vem, eles se afastam no enquadramento quando os ressentimentos vêm à tona, ou se aproximam quando percebem a falta um do outro.
E isso tudo é ressaltado com as extraordinárias interpretações de todo o elenco. Desde Huppert com uma melancolia secreta em toda cena, passando por Brendan Gleeson como o marido dela que parece já estar de luto, mas que resiste ao lado da esposa não importa o que lhe seja dito, até a participação de uma levíssima Marisa Tomei como uma amiga próxima em processo de desilusão, mas ainda cheia de vivacidade e pronta para aceitar o que a vida trouxer.
A lentidão do filme pode ser desafiadora para alguns, mas basta concentrar nas ironias e no humor inteligente dos diálogos para encontrar um ritmo gostoso e diversão. O que mais incomoda são os múltiplos núcleos narrativos que fazem com que um ou outro personagem menos interessante seja esquecido, como a neta de Frankie, que tem uma tarde romântica com um garoto português desconhecido. Ainda é um singelo retrato familiar que surpreende com as camadas de complexidade.