Essa foi uma boa surpresa. Uma cinebiografia da renomada filósofa Hannah Arendt. Uma judia que teve que fugir para os Estados Unidos durante o holocausto e acabou se tornando uma das professoras e filósofas mais respeitadas de Nova Iorque. Ao invés de contar apenas a história da vida dela, o filme segue pelo que as melhores biografias fazem. Uma história específica.
O foco é o trabalho de jornalismo que ela fez para a revista The New Yorker. Israel havia sequestrado o ex-nazista Adolf Eichmann, recém encontrado na Argentina. O país judeu forjou um julgamento para poder ter o direito de executar o alemão. Arendt escreveu uma série de textos nos quais defendeu o que chamou de “Banalização do Mal”. Por conta disso, foi obrigada a lidar com incompreensão e ignorância que marcaram sua carreira e sua vida.
Falar sobre nazismo e holocausto é complicado. É um dos grandes tabus da história da humanidade. Tabu porque é proibido refletir contra a história contada, mas todos pensam mesmo assim. Os nazistas são os grandes vilões do século passado e os judeus as grandes vítimas.
Eu não discordo que realmente houve essa maldade dos nazistas nem do sofrimento dos judeus. Mas discordo desse extremismo. O holocausto não foi o pior massacre daquele século e os judeus não foram as únicas vítimas.
Hoje em dia é mais aceitável falar sobre isso. Mas na época de Arendt, no meio de judeus sobreviventes, a visão era outra. Todos os nazistas são o demônio e todos os judeus são santos. Esse é o mundo no qual a filósofa vivia. Mas ela ousava pensar diferente.
Testemunhando o julgamento de perto, ela pôde ver um dos principais culpados pelo próprio aprisionamento em um campo nazista de perto e não viu nele um monstro, mas um homem mau. Existe uma diferença entre os dois. E Arendt teve a coragem de falar isso em seus artigos.
Mais do que isso. Ela teve a coragem de admitir que houve representantes do judaísmo que auxiliaram o nazismo. A consequência foi óbvia, Hannah Arendt virou alvo de ódio por ter defendido o nazismo e atacado todos os judeus, apesar de não ter sido o que ela fez.
O filme apresenta isso de forma bastante inteligente. Constantemente coloca Hannah e seu marido discutindo com outras pessoas sobre a demonização do nazismo e os crimes de Israel durante o julgamento. O casal torce para que Eichmann seja punido porque o odeia tanto quanto os outros. Mas reconhecem que o tratamento dado a ele é errado. Tanto o sequestro quanto o ódio público.
Mas todos os outros conhecidos de Hannah se apressam a expressar que Eichmann é um monstro e que ele deve ser morto. Em um diálogo, ele chega a ser chamado de Mefisto. Israel e todos os judeus estão direcionando àquele alemão toda a culpa pelo holocausto. Ai de quem tiver coragem de ver além disso.
A reconstrução de época é muito bem feita, seja em Nova Iorque, seja em Israel. A fotografia demonstra claramente as intenções das pessoas ao redor da protagonista. Existe um cuidado em colocar Arendt mais alta ou mais baixa em discussões baseado em como os diálogos decorrem. Mostrando visualmente que ela muitas vezes está perdendo ou ganhando.
Uma característica realmente marcante é a representação do alemão julgado através de imagens reais do próprio julgamento. Vemos o próprio Eichmann tentando defender a própria vida.
Ainda assim, o filme escorrega ao tentar representar outras partes da vida de Arendt que não são tão interessantes à trama principal. Existe a história de um caso que teve com um professor quando ainda era jovem. O ciúmes de um amigo antigo que nunca conseguiu conquistá-la.
Todos os atores são ótimos. Tanto os americanos quanto os alemães. Principalmente a atriz principal, Barbara Sukowa, que coloca todo o peso necessário ao ódio que a protagonista não compreende a princípio e depois começa a sofrer até dos amigos mais próximos.
É difícil eu gostar de uma cinebiografia. Mas aqui temos um filme que acerta ao focar na parte correta da vida do seu objeto de estudo.
ALLONS-YYYYYYYY…