Como arte, o cinema sempre é reverenciado pelas experiências. Seja pelas misturas de mídias, como o uso de estilos de pintura para composição de enquadramento, seja por tentativas de inventar em cima de transformações temporais e espaciais como nas obras do Godard. Entre os experimentos, de vez em quando surge algo como este Hardcore: Missão Extrema.
Toda a experimentação se encontra no fato de que o filme é feito completamente sob o ponto de vista de Henry, um homem que acorda em um laboratório sem um braço e uma perna. Estelle (Haley Bennett) é uma cientista que o remonta, explica que eles são casados e que estão em fuga de uma corporação belicista que quer o corpo dele para criar um exército.
Parece um grande clichê de filmes de ação genéricos, mas tem um diferencial que o faz se tornar o tal experimento narrativo: Hardcore é todo em plano subjetivo. Ou seja, a produção inteira é vista pelos olhos de Henry. O que também faz com que ele não tenha um intérprete vinculado ao personagem. Nunca se vê o rosto do protagonista, com exceção de um reflexo vago em uma cena.
Por conta da linguagem visual, o roteiro se permite ser uma tolice. Henry tem o corpo biônico para que o espectador possa ver em primeira pessoa ele pular de pontes, socar exércitos de inimigos, ser atropelado, sobreviver depois de ser arremessado por explosões e toda maluquice do gênero. O absurdo é tanto que ele consegue arrancar os olhos do rosto porque eles são mecânicos, o que gera uma quebra na imagem porque os olhos não olham para a mesma coisa.
Inclusive, Henry é mudo para que a câmera que o representa apenas reaja aos outros personagens e nunca quebre a imersão do espectador, que não seria removido da experiência com uma voz além da dele em primeira pessoa.
Além do roteiro estapafúrdio, Hardcore é uma produção muito bem realizada de ação. Mesmo em primeira pessoa e sempre em movimento, é possível compreender o espaço onde tudo ocorre, e onde estão todos os personagens. O trabalho dos dublês é extraordinário, com gente em chamas, que voam de prédios, carros desgovernados e tudo o mais.
Por outro lado, depois de cerca de 40 minutos, não acontece nada de novo e a violência ininterrupta fica apenas repetitiva. A palavra violência, diga-se de passagem, é chave aqui. Hardcore é tão pesado que a sequência de títulos iniciais já deixa claro como a sanguinolência é explícita, com imagens detalhadas e em câmera lenta de balas que atravessam rostos e bastões de baseball que quebram crânios.
O destaque, além do estilo e da qualidade técnica, fica por conta da participação de Sharlto Copley no elenco. O sul-africano tem um personagem tão absurdo quanto a trama que permite mostrar a versatilidade do ator. Em uma mesma cena, é possível ver ele brincar com sotaques e estereótipos de uns seis ou sete personagens diferentes. Já Haley Bennett, que se provou uma grande atriz recentemente em A Garota no Trem, fica encontra presa em dois arquétipos estúpidos femininos.
Hardcore é válido como experiência. Acerta muito ao se permitir não ter uma história elaborada demais e que ficaria perdida com o visual maluco. Erra, porém, ao ser grandioso. Tanta ação com uma trama tão tola faz do filme uma produção que fica repetitiva e longa, mesmo que ainda impressione com a qualidade técnica.