Admito, com bastante vergonha, que não sabia quem era Irmã Dulce antes de ser avisado da cabine. Uma pesquisa rápida revelaram que o filme é biografia de personagem real e também é dirigido por Vicente Amorim. A primeira informação é um problema dentro do histórico nacional. A segunda ganhou meu voto de confiança. Ao contrário de inúmeras biografias vergonhosas brasileiras, Irmã Dulce conta com o nome de um bom diretor.
O filme acompanha a relação da famosa irmã Dulce (Comparato/Braga) com a primeira pessoa enferma que ajudou, um menino chamado João (Oliveira), em paralelo com seus esforços para ajudar cada vez mais pessoas pobres e sem condições de cuidarem de suas saúdes. Pode parecer besteira dividir o foco da trama entre as realizações da irmã com a de apenas um de seus protegidos, mas é justamente o que dá liga para a produção. João e a irmã Dulce desenvolveram acidentalmente uma relação de maternidade.
O roteiro de L. G. Bayão toma o cuidado de fazer com que os conflitos das duas tramas aconteçam em momentos comuns. Dulce começa a enfrentar os conceitos de sua ordem quando se presta a ajudar João. Quando ela precisa pagar as consequências por sua coragem, ele precisa pagar as consequências por seus erros. O clímax das duas jornadas acontecem um por causa do outro. Justamente por isso, o filme termina muito antes da morte de Dulce e de várias de suas realizações. Ele acaba quando a história que quer contar chega ao fim. Não é apenas uma compilação de todos os momentos da vida dela.
Irmã Dulce com o jovem João. Relação dá liga para o roteiro.
Vicente Amorim constrói as cenas explorando as imagens de Sergipe com baixa profundidade de foco. Perto de um grande forte da cidade, o foco muda para encontrá-la sentada conversando com alguém. Sempre que mostra os cuidados da freira com as pessoas doentes, um plano detalhe mostra como seus rostos são marcados e gastos por suas vidas difíceis e suas enfermidades. Ele também faz um uso pesado de trilha dramática nos momentos mais tristes, mas ao invés de deixar que isso vire um excesso gratuito, as cenas tristes emocionam. A montagem sofre com muita repetição de cenas de Dulce ajudando os pobres. É bonito e emocionante, mas quando ela se apieda de alguém e leva pra cuidar pela vigésima vez, deixa de criar compaixão e fica apenas cansativo.
As duas atrizes que interpretam a freira, Bianca Comparato na fase dos 20 anos de idade e Regina Braga na casa dos 50, têm atuações coerentes. A mais jovem não tem tanta presença de cena quanto a veterana, mas consegue carregar sua metade do filme como protagonista. A mais velha, por sua vez, se confunde com a mulher real de tão bem que se encontra no papel. Amaurih Oliveira faz o “filho” de Dulce, João, com um misto de rancor e amor. O ator se esforça e consegue conquistar simpatia.
Irmã Dulce é uma exceção ao que tem surgido aos montes no cinema nacional, as biografias. Ao contrário de péssimos filmes que tem surgido nos últimos anos, trata-se de uma produção cuja narrativa não é amadora.
FANTASTIC…