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Irma La Douce (1963)

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Eis um caso curioso. Um filme clichê (talvez o criador desse clichê), adaptação de musical dos teatros que não é musical, questionamentos morais sobre prostituição, crime, malícia e muito nonsense. Considerando que é um filme de 1963, é tudo muito corajoso e surpreendente. Principalmente com um filme hollywoodiano clássico.

Dar uma sinopse para esse filme é muito complicado. O primeiro ato termina com uma hora e vinte de filme. Até lá, são tantas reviravoltas na introdução da trama que é impossível explicar sem dar “spoilers”. Pode-se falar que se trata da jornada de culpa de um policial honesto no mundo do crime. Pode-se falar que é sobre um “mec” (palavra bonitinha para cafetão) que se apaixonou por uma “poule” (palavra bonitinha para prostituta). No geral, é sobre isso tudo e mais.
Existem três nomes que basicamente sustentam Irma La Douce. São eles, Billy Wilder, Jack Lemmon e Shirley MacLaine. A mistura do talento dos três consegue equilibrar nonsense, amoralidade e sensibilidade.
Billy Wilder adapta um musical francês para o cinema sem nenhuma canção. A peça se valia da fantasia do universo cantado para poder ser satírica com todos os conceitos relacionados ao mundo de criminalidade da história. Para traduzir isso, o diretor sai do universo de canto para o da comédia.
Comédia é um dos pontos fortes de Wilder. Basta lembrar que o filme considerado a melhor comédia de todos os tempos é dele (Quanto mais Quente Melhor, também com o Jack Lemmon). Ele toma cuidado em colocar humor em praticamente todas as características do filme. Seja no nome de um personagem, na mise-en-scène como um todo e até em contextos recorrentes. Principalmente nos trejeitos caricatos de todos as pessoas da obra.
O mundo de Irma La Douce envolve uma rua próxima a um mercado. Tudo ganha vida através do vermelho e do verde. Todos são corruptos e fazem parte da criminalidade. As mulheres são prostitutas, os homens são cafetões e a polícia participa dos lucros. Até mesmo o dono do bar que serve de encontro para todos esses grupos. Essa vida é virada de cabeça pra baixo com a chegada de um policial honesto.
Como todo policial honesto inserido em um sistema corrupto, ele é absorvido em pouco tempo. Em parte por sua incorruptibilidade ter sido obliterada pela falta de malícia, em parte por ter se rendido à beleza e aos cuidados de Irma La Douce (tradução literal de Irma, a doce para o francês).
É onde entra o equilíbrio cuidadoso. A trama exige que tanto Irma quanto o policial Nestor sejam pessoas amorais e carismáticas ao mesmo tempo. Para fazer isso, é revelado através de pequenos detalhes que nenhum dos dois gosta realmente do que fazem quando estão nas ruas. Justamente por isso, veem um no outro algo em comum. Ela é a única “poule” que não se exibe pra ele nem zomba de seus códigos de conduta. Ele é o único homem que realmente a trata com respeito, não importando seu gênero ou seu trabalho.

Irma-la-douce-1963-shirley-maclaine-4703717-800-331Irma. A poule que não gosta de se exibir.

Por conta disso, é possível acreditar no amor dos dois e até torcer para que fiquem juntos. Também por isso, compreende-se todas as reviravoltas que ocorrerão a partir do segundo ato. Porque os dois vão se distanciar e começar a se reaproximar de formas diferentes.
Shirley MacLaine demonstra muito bem as crenças da personagem. Uma mulher que sabe que suas melhores condições de sobrevivência exigem meios questionáveis. Ela está acostumada com aquele mundo e sabe se adequar a ele, o que não quer dizer que ela precisa gostar dele. Somando a isso sua beleza (impressionante o quanto a atriz era bonita) e uma certa inocência na forma como trata a profissão, ela faz com que Irma seja encantadora e apaixonante.
Mas a alma do filme é o Jack Lemmon. O trabalho do ator no filme não é para poucos. Ele precisa ser um poço de inocência aqui, um grande enganador ali, mas ao mesmo tempo, uma fonte de sentimentos honestos. Ele parte do policial honesto que, aos poucos, se torna o tipo de monstro dos quais quer afastar Irma. Mas o tempo inteiro, é possível compreender seus motivos, fazendo com que não percamos a simpatia por Nestor.

irma_la_douce_meeting_with_lord_xNestor se passando por outra pessoa. Mentiras e deturpações.

Sem contar que grande parte do humor do filme vem de Lemmon. Ele nunca para de fazer trejeitos e caretas para representar as confusões de Nestor. Inclusive quando o personagem precisa se passar por outra pessoa. Os trejeitos caricatos mudam e criam outra personalidade completamente diferente.
Eventualmente, o filme se direciona para o final. Nisso, se aprofunda demais no nonsense e toda a trama passa a perder o sentido que vinha construíndo. Até então, era possível acreditar no que acontecia, mas começa a ficar exagerado demais. Inclusive na amoralidade. Parece que a comédia, em diversos momentos, é mais importante que a história.
Além disso, Irma La Douce poderia ser bem menor. São mais de duas horas de duração enrolando com contextualizações que poderiam ser bem mais rápidas. Como disse antes, o primeiro ato dura uma hora e vinte. Depois disso, ainda tem mais uma hora de desenvolvimento e clímax. É cansativo.
É um clássico de um dos maiores diretores da história de Holywood. Seria um filme melhor se fosse mais focado na história no ato final e um pouco mais curto. Mas a zombaria com todo o sistema jurídico e a humanidade dos personagens vale a brincadeira.
 
FANTASTIC…

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