Dizem os rumores que o apelido carinhoso de Paul Greengrass para o filme O Legado Bourne era A Redundância Bourne. Não é de admirar. Depois de duas pérolas de espionagem inteligente dirigidas pelo inglês, a tentativa de dar continuidade à franquia com outro protagonista soa como uma extensão desnecessária de uma ideia que foi levada ao máximo anteriormente. Será que o retorno de Greengrass e Matt Damon para a série não é, também, redundante?
Jason Bourne se passa 12 anos após os eventos de Ultimato Bourne (antes que alguém tente corrigir a data, vale lembrar que o terceiro filme se passa durante o segundo). O ex-espião (ainda vivido pelo Matt Damon) vive como um nômade que sobrevive com lutas clandestinas na Grécia. Nicky Parsons (Julia Stiles) aparece com arquivos que roubou da CIA que podem levantar novos detalhes do passado de Bourne. Assim que os dois retomam contato, a agência começa a caçá-los.
A premissa é simples, como sempre foi na série. Não é a complexidade da trama que faz com que os filmes Bourne sejam memoráveis, mas o aprofundamento do personagem. Claro que é preciso lembrar que tem a mistura com as altas doses de ação e violência bem dirigidas. Este quarto/quinto capítulo vem para repetir a proposta nos mínimos detalhes.
O espião com amnésia está aposentado, alguma coisa do passado dele o força a reenfrentar a CIA. Dois novos perseguidores dão as caras: um físico e outro intelectual. Em algum momento acontece uma grande perseguição de carro. A câmera tremida dá o tom da filmagem. Toca um remix da música Extreme Ways e o filme acabou. Tudo isso dá aquele gostinho da franquia. Mas falta um ingrediente fundamental em Jason Bourne: o aprofundamento do personagem título.
Em Identidade, a história era sobre um homem inocente que é forçado a confrontar o passado horrível que não lembra. Em Supremacia, ele tem a oportunidade de pedir perdão pelos erros. Em Ultimato, ele lembra de tudo e pode seguir em frente com uma vida nova. Em Jason, ele quer vingança por algo que nem lembrava ter vivido. Assim, sem razão séria ou complexidade, todo o desenvolvimento prévio é abandonado para que Bourne se torne uma desculpa para destruição na Europa e em Las Vegas.
Na verdade, nem a motivação inicial funciona mais. O contexto em que o personagem se encontra é parecido demais com a abertura de Supremacia (de longe o melhor filme da franquia). Aquele era um filme corajoso que subvertia valores do cinema de ação padrão. Este não apenas é vazio, como usa soluções que negam os títulos anteriores.
Paul Greengrass ainda é o excelente diretor de sempre. Usa câmeras tremidas com mudanças de zoom na lente que parecem amadores. O resultado é algo que parece montado de câmeras de pessoas nas ruas que capturam a ação quase acidentalmente. Parece real. O problema é que o estilo tende a fazer cenas confusas. Greengrass é um dos poucos diretores que conseguem fazer lutas e perseguições com a técnica. É possível distinguir o que acontece em todos os enquadramentos, por mais rápidos e tremidos que eles sejam. Só funciona porque o inglês conta com a montagem de Christopher Rouse (que ganhou o Oscar pela edição de Ultimato). Em algumas sequências, parece que Rouse encaixa movimentos aleatórios entre os cortes. Fica mais dinâmico e bruto.
É preciso salientar a extraordinária cena de perseguição de carros no clímax do filme. Ela envolve um carro-forte, um carro esportivo e muita destruição por Las Vegas. Talvez seja a melhor da série. Bourne está em desvantagem o tempo inteiro, a ação é compreensível por toda a sequência e ela se divide em partes menores que conduzem o espectador através das batidas.
Para renovar o elenco, entram na franquia nomes como Tommy Lee Jones, Alicia Vikander e Vincent Cassel. Todos soberbos. Jones e Vikander trocam olhares duros por conta do contexto de espionagem, mas pequenos detalhes ditam os sentimentos e vontades dos personagens. Quando ele se enraivece contra ela, um movimento sutil no maxilar é suficiente para entender que ele já planeja algo. Ela usa uma leve maquiagem para fazer com que a personagem pareça cansada constantemente. Como alguém que se entregou demais para o trabalho. Uma leve mexida de cabeça após uma troca de palavras cuidadosas revelam gratidão quando ela recebe a chance de comandar uma equipe. Cassel faz um agente com ódio de Bourne. Ele tem apenas uma cena para mostrar como o personagem tem transtornos por causa do passado, mas é o suficiente para convencer.
Quanto a Damon, não há o que dizer. O homem é o Jason Bourne. Mesmo que esta versão deturpada do espião que já havia resolvido os problemas quase dez anos atrás. Em termos técnicos, Jason Bourne é tão louvável quanto os filmes que o precederam. Ver os enquadramentos, os cortes. É tudo admirável, mas falta a essência básica que fizeram com que a série tivesse sucesso: desenvolver um personagem complexo e interessante.